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O vento noturno enroscava-se nos cabelos de Isadora enquanto ela descia a escadaria de madeira que levava à praia. Cada passo fazia a madeira velha gemer, como se protestasse contra sua presença após tantos anos de abandono. A música do piano ainda ecoava na areia, mas agora em tons mais suaves, quase melancólicos.
- Você está louca? - Clara sussurrou, segurando seu pulso. - A gente não pode simplesmente chegar nele assim!
- Por que não? - Isadora respondeu, sem conseguir tirar os olhos de Rafael.
- Porque ele é... diferente. As pessoas dizem que ele não gosta de visitas.
Isadora ignorou o aviso. Havia algo naquele piano solitário na praia, naquele homem tocando para as estrelas, que a chamava de uma forma que ela não entendia.
Quando estavam a poucos metros de distância, a música parou.
Rafael levantou a cabeça. Seus olhos - um verde tão claro que quase pareciam translúcidos - estavam fixos em um ponto além dela, como se enxergasse algo no escuro.
- Boa noite - ele disse, a voz tão suave quanto suas mãos sobre as teclas.
Isadora engoliu seco. Ele sabia que elas estavam ali.
- Nós... nós não queremos incomodar - ela começou, sentindo-se repentinamente tola.
- Não está incomodando - Rafael sorriu levemente. - A música é melhor quando compartilhada.
Clara deu-lhe um leve cotovelada, como quem diz "eu avisei", mas Isadora ignorou.
- Por que você está tocando aqui? - a pergunta saiu antes que ela pudesse pará-la.
Rafael hesitou por um segundo, os dedos pairando sobre as teclas.
- Porque o mar me ouve - ele respondeu, como se isso explicasse tudo. - E você? Por que está aqui, Isadora Monteiro?
Ela estremeceu. Ele sabia seu nome.
- Como você...?
- Sua avó falava muito sobre você - ele inclinou a cabeça. - Eu moro na casa ao lado da sua. Ou melhor, morava, antes de você voltar.
Isadora sentiu um frio na espinha. A casa ao lado estava vazia há anos.
- Você conheceu minha avó?
Rafael não respondeu imediatamente. Em vez disso, seus dedos começaram a dançar sobre as teclas novamente, uma música que Isadora reconheceu instantaneamente. Era a mesma melodia que sua avó costumava cantarolar quando a colocava para dormir.
- Ela me ensinou essa música - ele finalmente disse. - Há muito tempo.
Clara apertou o braço de Isadora, os olhos arregalados.
- Isso é impossível - ela sussurrou. - Sua avó morreu há dez anos.
Rafael parou de tocar novamente.
- O tempo é relativo - ele murmurou, levantando-se do piano. - E alguns segredos não foram feitos para serem descobertos.
Antes que Isadora pudesse responder, ele fechou a tampa do piano com um baque suave e começou a se afastar pela praia, desaparecendo na escuridão como um fantasma.
- Isso foi... assustador - Clara exalou.
Mas Isadora não conseguia tirar os olhos do piano. Algo brilhava sob a luz da lua - uma pequena chave de metal pendurada em um cordão, deixada para trás no banco.
Quando ela a pegou, seu coração parou.
Era idêntica à chave que sua avó sempre usava no pescoço.
A chave do baú.