Capítulo 4 Quando o Passado Bate à Porta

Dia Seguinte

SOFIA

O dia está nublado, um friozinho gostoso faz lembrar que o inverno chegou. Enquanto Enzo dorme tranquilo, decido passar as suas roupas. Eduardo insistia em dizer que esse não era o meu trabalho, mas eu gostava de cuidar das coisas do Enzo, assim eu me sentia útil e cada vez mais próxima do responsável por devolver a minha alegria e desejo de viver.

Já estava quase terminando quando de repente ouço o som da campainha que me faz parar no meio da dobradura das roupinhas de Enzo. Ainda é cedo, pouco antes do almoço, e Eduardo está em reunião no andar de cima. Não costumo atender a porta, mas com Marlene no mercado, sobra pra mim.

Abro a porta.

E o mundo gira.

- Sofia? - a voz masculina me alcança como uma pancada seca.

Congelo. Meu coração dispara. O rosto à minha frente é um fantasma que eu esperava nunca mais ver.

- Rafael... - minha voz sai trêmula.

Ele sorri. Aquele mesmo sorriso dissimulado que já me enganou um dia. Está diferente, mais magro, cabelo raspado nas laterais, tatuagens novas no pescoço.

- Que bom te ver. Finalmente consegui te rastrear. - ele dizia tentando entrar, mas impeço, colocando o pé entra a abertura da porta.

- O que você está fazendo aqui? - pergunto áspera.

- Só quero conversar.

Meus dedos apertam o pano da camiseta. O ar parece mais pesado de repente.

- Não tenho nada pra conversar com você. - falo firme, mas nervosa, e com medo de que Eduardo ou algum empregado da mansão o visse.

- Ah, tem sim. Lembra da dívida que deixamos em aberto?

Dou um passo pra trás, seguro a porta com firmeza, o instinto de proteção me dominando.

- Você está louco. - rosno.

- Não, Sofia. Só cansado de correr atrás do que é meu.

Antes que ele continue, ouço passos firmes atrás de mim.

Droga!

Ele está aqui.

- Algum problema? - Eduardo surge, a expressão dura, os olhos varrendo Rafael de cima a baixo.

- E você é? - Rafael ergue o queixo, provocador.

- O dono da casa. O pai do bebê que a Sofia cuida. E você está incomodando.

Rafael dá um passo para trás, erguendo as mãos.

- Tá certo. Já entendi. Só vim dizer um oi. Mas voltamos a nos falar, Sofia.

Ele se vira e vai embora, deixando atrás de si um rastro de pavor.

Eduardo fecha a porta com força, se virando pra mim.

- Quem era aquele?

- Alguém que deveria ter ficado no passado. - falo ainda incrédula com o que acaba de acontecer.

- Ex-namorado?

- Algo assim.

Ele cruza os braços, me analisando. Sinto meu corpo todo se contrair.

- Ele te ameaçou?

- Não diretamente. Mas eu o conheço. Ele nunca aparece por boas razões.

- Você está correndo perigo?

Respiro fundo. Não quero dizer mais do que preciso. Não ainda.

- Rafael é parte de uma fase da minha vida que me envergonha. Tivemos problemas com drogas, com pequenos furtos, com pessoas erradas. Quando consegui sair daquele mundo, deixei tudo pra trás. Ele... não.

Eduardo me encara em silêncio. Seus olhos são difíceis de decifrar agora.

- E por que ele está atrás de você agora?

- Dinheiro, provavelmente. Rafael sempre quer algo.

- E se ele voltar?

- Eu... não sei.

Ele se aproxima, sua expressão se suaviza. Coloca a mão no meu ombro.

- Se ele voltar, você me avisa. Aqui ninguém vai encostar um dedo em você.

Engulo em seco. A gentileza dele me desmonta mais do que as ameaças de Rafael.

- Obrigada.

- Você não está sozinha, Sofia.

Ouvir isso mexe comigo. Mais do que deveria.

***🩵***

EDUARDO

Ela está tremendo. Tento não demonstrar o quanto isso me afeta, mas ver aquele sujeito diante da minha porta, falando com ela daquele jeito, despertou algo feroz em mim. Protetor. Primal.

Sofia é forte. Mas vi no olhar dela que aquele homem é uma ameaça real. E não vou permitir que meu filho - ou ela - corram perigo.

Depois que ela sobe para o quarto de Enzo, fico na sala, refletindo.

Ela tem um passado sombrio. Eu também. O meu tem outro nome: culpa.

Mas ela... carrega isso com mais dignidade do que qualquer um que conheço. E isso me deixa mais certo do que nunca de que fiz a escolha certa ao contratá-la.

E talvez... mais do que certa ao deixar ela entrar na minha vida.

No fim da tarde, peço para conversar com ela. Sentamos na varanda, longe dos ouvidos de Marlene ou de qualquer curiosidade.

- Quero te ajudar.

- Você já está ajudando - ela diz com um sorriso sem graça.

- Quero fazer mais. Se esse cara voltar, vamos registrar boletim, conseguir medida protetiva... você precisa estar segura. Não só por você. Mas por Enzo também.

Ela hesita, então finalmente cede:

- Ok. Eu aceito.

- Mas me conta. O que ele tem contra você? Por que agora?

Sofia morde o lábio inferior.

- Rafael era meu namorado quando eu tinha dezenove. Fui presa com ele, sabia? Um roubo de carro. Ele disse que era só um passeio. No fim, estávamos fugindo. Fui fichada. Respondi em liberdade, cumpri pena alternativa. É por isso que ninguém me contratava.

- E por que não me contou?

- Porque achei que não teria chance se contasse. Porque me envergonho.

- Você é uma mulher corajosa. E eu admiro isso.

Ela me olha como se minhas palavras fossem uma língua que ela não falava há muito tempo.

- Você é diferente dos homens que conheci.

- E você é diferente de qualquer mulher que eu já conheci.

Nos encaramos. Longamente. Até que ela baixa o olhar, fugindo do que talvez esteja crescendo entre nós.

E então diz:

- Se ele voltar... eu prometo que te aviso.

- Não precisa prometer. Você não vai mais enfrentar nada sozinha. Nunca mais.

As minhas palavras são sinceras, mas ao mesmo tempo, cheia de dúvidas sobre o que poderia acontecer a partir de agora. Não apenas com relação ao ex namorado da Sofia, mas o que estava acontecendo dentro de mim. Era algo inesperado e que surgiu no momento que eu estava vulnerável. E o meu maior medo era cometer um erro que pudesse afastar a única pessoa que me fez renascer das trevas onde me escondia desde a morte de Isabella.

Sinto algo que vai muito além de formalidades e respeito entre patrão e funcionária. Sofia é especial. E isso me assusta.

***🩵***

SOFIA

Antes de dormir, fico observando Enzo no berço. Seu rostinho tranquilo, seu peito subindo e descendo devagar. Me pergunto como a vida colocou esse anjinho nos meus braços. E como Eduardo - tão distante de tudo que já conheci - começou a se aproximar do meu mundo.

Por anos, construí paredes em torno do meu passado. Mas agora... ele bateu na minha porta.

E talvez, só talvez, seja hora de enfrentá-lo. Com Eduardo ao meu lado, pela primeira vez, isso parece possível. E eu me sinto forte para enfrentar tudo o que está por vir.

            
            

COPYRIGHT(©) 2022