Capítulo 5 Um Gesto, Um Medo

SOFIA

O toque suave da manhã entra pelas cortinas do quarto. Enzo resmunga baixinho no berço, e eu me levanto num impulso automático. Ele já é parte da minha rotina, do meu instinto, do meu coração.

Depois de trocar sua fralda e cantar baixinho enquanto ele mama a mamadeira, o coloco no tapetinho de atividades e observo seus olhinhos explorando o mundo. A forma como ele me olha, com tanta inocência... me faz querer protegê-lo de tudo. Inclusive de mim mesma.

Desço as escadas com ele no colo, e Eduardo já está na cozinha, com a manga da camisa dobrada até os cotovelos e duas xícaras de café fumegante sobre a bancada.

- Bom dia - ele diz, sorrindo ao ver Enzo nos meus braços. - Ele dormiu bem?

- Dormiu. Acordou só uma vez.

- E você?

Pego a xícara que ele empurra na minha direção.

- Tô bem. Pensativa... mas bem.

Ele dá um gole no café e me encara como se pudesse ver o que se passa dentro de mim.

- Sofia, ontem... quando aquele cara apareceu... eu vi medo nos seus olhos. E eu não quero que você viva com medo aqui.

- Eu também não quero. Mas às vezes o medo não depende da gente.

- O medo não, mas a forma como a gente enfrenta ele sim.

Enzo se mexe no meu colo e sorri para Eduardo, que automaticamente estende os braços. Meu coração quase para com aquela imagem: meu chefe, o homem sério, contido, sendo tão carinhoso com o filho. Tão... homem.

Ele pega Enzo e segura com firmeza, como se nada mais importasse.

- Sabe, quando Isabella morreu, eu pensei que não fosse conseguir seguir em frente. Mas esse pequeno me obriga a levantar todos os dias. E, nos últimos tempos, você também tem feito isso.

Minhas mãos tremem levemente ao apoiar a xícara na bancada.

- Eu não sei o que dizer.

- Não precisa dizer nada. Só... fica.

A simplicidade daquelas palavras me quebra por dentro. Ninguém nunca pediu que eu ficasse. Só me mandaram embora. Até nesse aspecto Eduardo é diferente. Isso mexia comigo de uma maneira tão intensa que é difícil evitar não sentir o peso de suas palavras.

Naquele instante, Enzo sorri pra mim e estica os bracinhos. Eduardo o devolve e nossos dedos se tocam. Só por um segundo. Mas é o suficiente para fazer meu corpo inteiro reagir. Me sinto viva de um jeito diferente. Único. Isso me faz bem, mas ao mesmo tempo sinto medo do que pudesse acontecer. E se a nossa proximidade me afastar do Enzo? A minha mente estava um turbilhão.

Mas era necessário afirmar que sinto algo mudar. Ali. Naquele singelo toque.

***🩵***

EDUARDO

Ela fica vermelha, abaixa os olhos, mas eu vi. O brilho. O mesmo que começa a brotar em mim sempre que ela está por perto.

Sofia é mais do que a babá do meu filho. Ela é um sopro de ar em uma casa sufocada pela dor. E isso me assusta mais do que qualquer ameaça externa.

Depois do café, subo para o escritório com uma desculpa qualquer, mas não consigo me concentrar em nada. As imagens dela com Enzo, o toque dos nossos dedos, o sorriso que ela tenta esconder... tudo pulsa na minha mente.

No fim da manhã, escuto a campainha de novo. Congelo. Saio do escritório e chego à escada a tempo de ver Marlene atendendo.

- Tem uma entrega aqui para a babá.

Sofia aparece na sala, surpresa. Uma caixa de papelão média, simples, com o nome dela escrito à mão. Ela franze a testa.

- Não pedi nada.

- Quer que eu abra? - pergunto, já em alerta.

- Eu abro.

Ela tira a tampa devagar. Dentro da caixa, um celular antigo e um bilhete amassado.

Sofia lê em silêncio e empalidece. Rasga o papel ao meio.

- Rafael?

Ela apenas balança a cabeça. Olha para mim com um desespero contido.

- Ele quer que eu fale com ele. Mandou esse celular porque sabe que eu não atenderia se ele ligasse no meu.

- Você não vai falar com ele. Nós vamos à polícia.

- Eduardo, ele não vai parar. Eu o conheço.

- E eu conheço homens assim. Ameaçadores. Covardes. E sei como enfrentá-los.

Ela aperta a caixa contra o peito, como se quisesse desaparecer.

- Eu não quero te dar mais problemas.

- Sofia, você não é um problema. Você é a solução de muitos que eu nem sabia que tinha.

Ela se cala. Respira fundo. Seus olhos se enchem d'água.

- Eu não posso deixar que ele destrua o que eu estou construindo aqui. Pela primeira vez na vida, eu me sinto segura. Útil. Importante.

- E é exatamente por isso que ele não vai conseguir te atingir. Porque agora você tem alguém do seu lado.

Chego perto. Mais do que deveria.

E ela não recua.

Minha mão toca a dela. Quente. Firme. Real.

- Promete que não vai embora?

- Prometo. - A voz dela sai em um sussurro. - A menos que você me mande.

- Isso nunca vai acontecer.

Não sei em que momento nos aproximamos tanto. Só sei que sinto o cheiro do cabelo dela, o calor do corpo, a fragilidade e a força misturadas numa mulher que já sofreu demais.

Não a beijo. Ainda não.

Mas quero... Quero muito... Talvez até mais do que deveria. Contudo preciso ir com calma, ela está passando por uma situação difícil, está fragilizada e se eu for precipitado posso pôr tudo a perder. E perdê-la é algo que não desejo.

***🩵***

SOFIA

O resto do dia passa arrastado. A caixa, o celular e o bilhete rasgado estão guardados numa gaveta trancada. Marlene não pergunta nada, mas sinto que ela percebe algo.

O estranho é que, apesar do susto, me sinto protegida. Eduardo não é só meu patrão. Ele está se tornando algo que eu nem sei definir. Um porto? Uma esperança? Um perigo também, talvez.

À noite, depois que Enzo dorme, fico sentada no quarto com um livro aberto no colo, mas não leio. Fico lembrando do toque das mãos dele. Da forma como ele me olhou. Como se eu valesse alguma coisa.

Então ouço passos. Batidas suaves na porta.

- Posso entrar?

- Claro.

Eduardo entra com algo nas mãos. Uma caixinha.

- Trouxe uma coisinha pra você. Nada demais.

Fico surpresa.

- Pra mim?

Ele senta na poltrona ao lado da cama e estende a caixa. Dentro, um chaveiro com um botão de pânico.

- Isso está conectado ao sistema de segurança da casa. Se acontecer qualquer coisa, você aperta aqui e tudo fecha automaticamente. E eu recebo um alerta.

Olho pra ele, com lágrimas nos olhos.

- Você fez isso por mim?

- Fiz isso por você. E por Enzo. Porque vocês dois são importantes demais pra ficarem vulneráveis.

Me aproximo. Ele levanta. Ficamos frente a frente.

E dessa vez, eu não fujo.

Ele também não.

Nossos lábios se encontram no meio do silêncio. Um beijo terno, lento, cheio de cuidado. Nenhuma pressa. Só certeza.

Quando nos afastamos, ele sorri, tocando meu rosto com carinho.

- Boa noite, Sofia.

- Boa noite, Eduardo.

Assim que a porta se fecha, coloco a mão no peito. Meu coração parece ter encontrado um novo ritmo.

Mas, no fundo, sei que Rafael ainda está lá fora.

Esperando.

Observando.

E que isso... é só o começo.

                         

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