Capítulo 3 Quarenta e Cinco Destinos

Depois de anos confinado atrás de uma mesa, soterrado por e-mails urgentes e reuniões que não levavam a lugar nenhum, finalmente rompi as correntes. Não foi um rompante, tampouco um gesto de rebeldia vazia. Foi uma decisão construída em silêncio, ao longo de noites mal dormidas e domingos ansiosos. Um chamado interno que cresceu com o tempo, até se tornar ensurdecedor.

Eu cansei. Cansei de fingir que aquilo era o suficiente. Como cantava Renato Russo, "não sou mais um dos tais". E se em algum momento me deixei levar pelo conforto previsível da rotina, hoje sei que não quero mais viver no automático. Quero sair da linha, questionar o roteiro, quebrar o ciclo.

A liberdade que conquistei não veio fácil, ela veio da renúncia, do medo, da coragem crua de abandonar uma vida estável em troca do desconhecido. Mas agora que a tenho em mãos, quero honrá-la. Quero vivê-la em cada detalhe, sem reservas, sem a culpa de estar "jogando tudo para o alto". Porque, na verdade, o que eu estava jogando era a minha própria vida fora. E isso eu não aceito mais.

Foi assim que nasceu o projeto: quarenta e cinco destinos, um para cada ano vivido até aqui. Um para cada fase, cada queda, cada vitória silenciosa. Não escolhi os lugares, virão de muitas sugestões de leitores e amigos. Cada cidade é uma peça de um quebra-cabeça maior. Algumas promessas que fiz ou farei, e pretendo cumprir.

Não quero apenas viajar. Quero transformar cada fim de semana em algo simbólico. Em entrega. Em presença real. Quero viver intensamente, como João de Santo Cristo quando resolveu mudar sua vida, cansado de "morrer na marra como um condenado". Quero cruzar estradas, conhecer histórias, ouvir sotaques e deixar que o inesperado me ensine. Quero viver sem máscaras, sem desculpas, sem medo do que acontece quando finalmente deixamos o controle escorregar por entre os dedos.

Meu primeiro destino? Brasília. A cidade onde "o sol é tão bonito e onde parece que tudo pode acontecer". Um lugar que nasceu de um sonho grandioso e improvável, exatamente como esse momento da minha vida. Há algo em Brasília que me atrai há muito tempo. Talvez seja o céu que parece não acabar nunca. Talvez seja a arquitetura que mistura futuro e passado. Ou talvez seja simplesmente porque, como João, "eu sempre fui um pouco diferente dos outros".

Brasília me faz pensar em recomeço. Em ousadia. Em ruptura. Quero andar pelo Eixo Monumental como quem percorre um livro em voz alta. Sentir o calor seco grudando na pele ao desembarcar. Observar o pôr do sol refletindo dourado nos vidros dos edifícios. Ouvir o som distante de um violão em uma praça, misturado ao burburinho dos bares cheios de histórias e personagens. Quero sentir o vento nos corredores do Congresso e imaginar os fantasmas da história brasileira sussurrando entre os arcos de Niemeyer. Quero me perder na noite brasiliense, que carrega a rebeldia dos anos 80, das guitarras distorcidas e dos versos que mudaram uma geração.

Carrego na mochila roupas, livros e uma playlist com Legião Urbana do começo ao fim. Mas, acima de tudo, carrego a vontade genuína de me reconectar com aquilo que fui deixando pelo caminho. Com os pedaços de mim que se calaram em nome da "vida adulta". Quero reencontrar o jovem que um dia acreditou que tudo era possível. Que cantava aos gritos: "é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã."

Esse é apenas o começo. Brasília será o primeiro capítulo de uma história que espero escrever com mais coragem, mais verdade e mais entrega. E se, ao longo dessa estrada, eu descobrir que nem tudo sai como o planejado, que seja. Porque viver de verdade, como bem sabemos, nunca foi para os fracos.

Como diz o velho Faroeste Caboclo, "não tinha medo o tal João de Santo Cristo", e eu também não tenho mais. Não de partir. Não de mudar. Não de viver.

            
            

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