Capítulo 4 Cuidado com as palavras

Nova York, agora

Lana

O dia passou rápido demais.

Depois da chegada de Ethan naquela manhã, a casa voltou a encher com o barulho de vozes familiares - o som de Josh e ele discutindo projetos, rindo de piadas internas, e trocando histórias sobre os anos de faculdade. Eu tentei me manter ocupada, entre e-mails, chamadas e pequenos afazeres, mas a presença dele parecia preencher os cômodos, mesmo quando não estava na mesma sala que eu.

Agora era noite. A luz dourada do abajur criava sombras suaves nas paredes, e uma garrafa de vinho meio vazia repousava sobre a mesa de centro. Josh tinha insistido para que Ethan ficasse para o jantar, e ele aceitou com a naturalidade de quem já pertenceu àquela casa.

Mas as coisas não eram como antes.

Havia algo no ar. Algo mais denso. E eu sentia.

Josh se levantou do sofá com um comentário qualquer sobre ter esquecido algo no quarto. Eu mal escutei. Talvez ele tenha falado "pasta" ou "documento". Não sei.

Só percebi que ele saiu - e que eu e Ethan estávamos sozinhos.

Ethan permaneceu sentado na poltrona, um pouco mais ereto do que antes, como se quisesse parecer ocupado em observar qualquer coisa que não fosse eu. Os dedos dele tamborilavam discretamente no apoio do braço, e o pé batia no chão com o calcanhar, de leve. Nada que alguém desatento perceberia.

Mas eu percebi.

Porque eu o conhecia. Mesmo que ele não soubesse disso.

Levantei lentamente e fui até a cozinha pegar uma taça de vinho. Uma desculpa. Um movimento. Algo que me deixasse em pé e ele, sentado.

Senti ele me acompanhar com os olhos.

- Você não fala muito, né? - arrisquei, puxando assunto com um leve sorriso.

Ele me olhou por sobre a borda da taça, os olhos escuros fixos em mim por um segundo a mais do que o necessário. Não parecia relaxado, nem completamente à vontade. Depois, pousou o copo devagar sobre a mesa.

- Eu falo o necessário.

- Sempre foi assim? - provoquei, cruzando as pernas com calma, como quem não está tentando nada além de uma conversa banal.

- Sempre. - Ele sustentou meu olhar. E então, de forma quase imperceptível, um dos cantos da boca dele se ergueu. - Mas você fala mais do que antes.

- Talvez porque agora eu não tenha mais quinze anos. - sorri. - E não me esconda mais atrás da bancada da cozinha.

- Você nunca pareceu medrosa.

- Eu era. Só sabia disfarçar.

Ele não respondeu de imediato. Apenas pegou a taça outra vez, como se estivesse escolhendo as palavras com cuidado. Ou se protegendo delas.

Isso fez com que ele parasse o movimento da taça. Por um segundo, pensei que fosse me encarar. Mas ele apenas soltou um leve suspiro e desviou os olhos.

- Você mudou - Disse ele.

- E você... não tanto.

Ele arqueou uma sobrancelha. - Isso é bom ou ruim?

- Ainda estou decidindo.

O silêncio voltou, mas desta vez não era incômodo. Era carregado. Ele desviou o olhar e apoiou o antebraço na mesa, os músculos sob a manga da camisa tensionando discretamente com o movimento. Apenas pegou a taça outra vez, como se estivesse escolhendo as palavras com cuidado. Ou se protegendo delas.

A tensão se instalou entre nós como uma linha esticada demais. Se alguém tocasse, ela estouraria.

Eu reparei. Claro que reparei. E talvez ele tenha percebido que eu reparei, porque logo em seguida se inclinou ligeiramente para trás, como se criasse uma distância segura entre nós.

- Josh me falou sobre sua carreira na Itália. - ele disse, tentando resgatar uma linha neutra. - Trabalhou com design de interiores por quanto tempo?

- Dois anos. Eu achava que ia ficar por lá, mas Nova York ainda tem um tipo de energia que nenhuma cidade consegue copiar. Mesmo quando você tenta muito não voltar... ela puxa você de volta.

- Entendo isso.

- E você? Ainda vive para o trabalho?

- Hoje menos do que antes. Mas ainda o bastante.

Nos olhamos por alguns segundos. Como se cada um estivesse tentando decifrar até onde o outro ia permitir que a conversa chegasse.

Mas então a porta da frente se abriu, e Josh voltou.

Ethan se ajeitou na poltrona, como se nada tivesse acontecido. Como se estivéssemos apenas conversando sobre o clima ou o trânsito da cidade.

Mas eu vi.

Naqueles poucos minutos.

Vi o músculo da mandíbula dele se contrair quando nossos olhos se cruzaram pela última vez.

E a tensão, como mágica, se escondeu debaixo da mesa - mas não desapareceu.

E vi que ele percebeu o mesmo em mim.

            
            

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