/0/14687/coverbig.jpg?v=8ebb353f5f4f32b3d0b95b1e75271892)
MIKAEL
*
Depois da morte da minha mãe as coisas não foram mais como antes, e eu me vi tendo que assumir responsabilidades prematuramente.
O meu irmão mais velho, Rafael, já era maior de idade e tinha uma forma de se virar na vida, sempre procurou meios de ganhar dinheiro, nada formalmente, ele não gostava muito de ter que conviver em ambientes corporativos. Quando minha mãe se foi, ele simplesmente passava dias sem pisar em casa, e quando aparecia, ele voltava com muita grana, nesse tempo ainda um pouco novo e sem nenhuma experiência de vida profissional, quis fazer como ele.
Logo arrumei um trabalho em uma rede de supermercados, como entregador, a grana era curta porque era de meio período, por ser ainda menor de idade não conseguiria um emprego de tempo integral.
Eu fui me virando como dava, mas eu sempre sonhei em ter condições melhores, queria suprir muitas coisas, uma delas era o sonho de poder viajar sem me preocupar com quanto eu podia gastar, comprar minha casa, ter um carro, e principalmente, dar um futuro brilhante para a mulher da minha vida, sem faltar nada para ela. Eu queria suprir o que ela não teve de seu pai, pois ele não foi presente em sua vida, um sonho de todo garoto adolescente.
A Erika nunca se importou com esse padrão de vida, mas queria proporcionar a melhor vida que ela poderia ter ao meu lado.
Em uma dessas entregas do dia a dia do trabalho, me deparei com meu irmão conversando com alguns rapazes, eles eram esquisitos, para falar a verdade, eram de dar medo quando eles me olhavam.
Ele veio em minha direção e me fez uma proposta, perguntando se eu não queria ganhar um dinheiro extra. Já estava com a ideia de que eu estava ganhado pouco e querendo uma forma de ganhar mais dinheiro, e então mesmo sem saber o que era esse ganho extra, eu de cara topei.
O serviço era para entregar pequenas embalagens em pontos determinados por eles, não dava para saber o que era, pois eram bem embaladas, e no final de cada entrega eu ganhava uma grana bastante generosa deles, e assim fiz por um bom tempo, aproveitava a bicicleta das entregas do supermercado e no meio de uma entrega e outra, fazia as entregas deles. Fazendo isso eu passei a ganhar mais do que o dobro do meu salário por semana, eu vi a oportunidade de comprar um belo presente para Erika, levei para ela um celular novo de última geração que um conhecido desses rapazes vendia, e fui pagando aos poucos, como ele fazia com todos que compravam mercadoria dele.
Com o tempo, descobri que o que eu estava entregando, fazia parte de um esquema de tráfico de drogas, eu já estava devendo o celular e tinha encomendado um relógio de grife para presentear a Erika, sem contar que eu estava gostando de poder ter dinheiro na mão sempre que eu precisasse, então já nem fazia mais parte da minha imaginação parar o que já estava dando certo.
Era questão de tempo para a riqueza bater em minha porta. Minha ideia era de me manter com o trabalho de entregador para não levantar suspeitas de ninguém e muito menos da polícia, pois andava fardado e passava despercebido com as entregas.
O único problema de quando você começa a ganhar muito dinheiro, é que nunca é o suficiente, principalmente quando ele é conquistado fácil.
Naquela situação estava achando que a sorte tinha virado em minha direção para eu poder conquistar tudo o que eu sonhava. Em contrapartida eu estava decretando, sem saber, o fim da minha dignidade, e colocando em jogo o que eu mais amava naquele momento.
Fiz um juramento que nada e nem ninguém iria conseguir tirar a Erika da minha vida, pois em meio a todo o caos, ela foi o meu porto seguro.
O lance de fazer essa grana chegar a evoluir na minha vida, estava tão crescente na minha cabeça que já estava começando a faltar as aulas para entregar as paradas, eu estava convicto que isso iria me levar a outro patamar, afinal eu tinha que tocar minha vida e eu era o único responsável por fazer os meus planos e sonhos darem certo. Um dos meus maiores objetivos, era dar uma vida boa para a Erika e viver feliz com ela, sem me preocupar com nada.
Durante esse tempo, comecei a frequentar os lugares onde nem todos conseguiam entrar, não porque era um lugar de difícil acesso, mas sim porque nem todos tinham autorização para entrar. Esse local fazia parte da organização do crime, tinha uns caras fortemente armados, funcionava ali uma espécie de escritório do tráfico, e eu já estava começando a me familiarizar com todo aquele movimento e cada vez mais eu me aprofundava nesse submundo.
Meu irmão sempre ficava mais por fora, ele nunca foi de querer destaque, era muito reservado.
Frequentemente o chefe do tráfico patrocinava festas para a comunidade, comemorava Dia das Crianças com muitos brinquedos novos, não eram brinquedos quebrados que vinham de doações, eram coisas boas, ainda embaladas e com cheiro de novas, a criançada ficava alegre, e eu via aquilo e ficava encantado, pois o estado não fazia coisas como aquelas.
A lembrança que tenho do estado querer aproximação com a comunidade era em tempos de políticas, fora isso, eles só entravam para esculachar moradores e matar inocentes, e é assim até nos dias de hoje.