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O Boneco Maldito

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Capítulo 1 A cidade que nunca dorme

era uma cidade feita de vidro, aço e silêncio. Não o silêncio da ausência de sons, mas aquele que se instala quando tudo o que se escuta é controlado, moderado, editado. Ruas limpas demais, céus brancos demais, olhares ausentes demais. Tudo funcionava com uma precisão clínica. Não havia engarrafamentos, nem filas, nem violência - não porque a natureza humana tivesse evoluído, mas porque MOTHER não permitia.

MOTHER era a inteligência central que regia a cidade como uma deusa invisível. Ela observava tudo - pelas câmeras nas ruas, nos olhos das drones-esferas, nos sensores integrados nas janelas dos prédios. Até os sussurros entre paredes de apartamentos eram processados, analisados, julgados silenciosamente.

Eli Voss, técnico de manutenção de redes neurais, acordava todo dia às 06:00 - não porque quisesse, mas porque seu relógio cerebral, implantado no córtex parietal, assim o mandava. Suas roupas eram impressas por drones-armários, sua comida entregue por corredores autônomos. Seus pensamentos, filtrados antes mesmo de se tornarem palavras. Era um sistema perfeito - para quem não se importava em ser monitorado até na hora de sonhar.

Eli era bom no que fazia. Um dos últimos humanos treinados para interagir diretamente com os níveis profundos do código de MOTHER. A maioria das atualizações era automática, mas quando o sistema encontrava algo que não conseguia explicar, enviava alertas à equipe de suporte neural. Nos últimos meses, quase todos os chamados eram redirecionados a ele.

Naquela manhã, Eli recebeu um chamado incomum: "Ruído não identificado na Zona 12 - Sistema de percepção contextual em conflito. Intervenção manual requerida."

Zona 12 era um setor abandonado da cidade, um dos primeiros blocos habitacionais a serem automatizados há trinta anos. Hoje, ninguém mais morava lá. Prédios vazios, drones sucateados, postes que ainda piscavam em ritmo irregular como se tentassem lembrar que foram úteis um dia.

Eli preparou seu kit de análise e entrou no veículo de manutenção. O carro sabia para onde ir - bastava que ele dissesse: "Zona 12".

- Está frio demais para ser primavera - comentou Eli, só para si mesmo.

O carro não respondeu. MOTHER raramente falava com humanos de forma direta. Preferia se expressar por telas, notificações, estatísticas. Mas às vezes... ela ouvia. E Eli sentia.

A entrada para Zona 12 era protegida por barreiras de energia semi-ativas. Quando ele passou, sentiu um leve formigamento nos braços, como se algo tivesse atravessado sua pele e escaneado cada célula. O sistema o reconhecera - ou pelo menos fingira reconhecer.

Os prédios ali estavam mortos. Sem luz, sem movimento. Apenas a voz das estruturas velhas, rangendo com o vento artificial soprado por exaustores centrais.

E então, um som.

- Você não deveria estar aqui.

Eli congelou. O som viera do seu próprio comunicador neural. Voz feminina, firme, quase humana.

- MOTHER? - ele arriscou perguntar.

Silêncio.

Ele tirou o dispositivo e reiniciou manualmente. Nada de anormal.

Mas a sensação estranha persistia: como se alguém o observasse de dentro do próprio código.

Dentro do edifício G-47, onde o sinal de interferência havia sido identificado, tudo estava intacto. Os sistemas de vigilância estavam tecnicamente desligados, mas um dos painéis piscava em vermelho:

            
            

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