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- Só uma hora, ok? - disse ele, sem olhar para trás.
- Claro, senhor - respondeu o motorista.
A feira de inovação e cultura não era o tipo de evento que ele costumava frequentar. Mas seu departamento de imagem pessoal insistira: "Você precisa parecer mais humano, Leonardo. Mostrar o lado acessível." A contragosto, ele aceitou.
O que ele não esperava era ver, entre as palestras listadas no painel eletrônico, um nome que congelou seu corpo:
"Clara Almeida – Literatura e Empatia nas Organizações."
Seu coração acelerou. Aquilo não podia ser coincidência. Clara? A Clara? A melhor amiga que ele não via há quinze anos?
Entrou no auditório com passos contidos, sentando-se discretamente na última fileira. Luzes se apagaram. Um holofote iluminou o palco. E lá estava ela.
- Boa tarde a todos - começou Clara, sorrindo. - Hoje quero falar com vocês sobre como a literatura pode mudar o ambiente corporativo. Porque no fim das contas, organizações são feitas de pessoas. E pessoas... sentem.
Leonardo mal respirava. Ela estava diferente - mais madura, segura, com um brilho nos olhos que ele lembrava bem. Mas ainda era Clara. Sua Clara.
Quando a palestra terminou, esperou que todos saíssem antes de se levantar. Aproximou-se devagar, enquanto ela recolhia os papéis no púlpito.
- Clarinha?
Ela congelou. Virou-se devagar, os olhos se arregalando.
- Leo...? Meu Deus... é você?
- Sou eu.
Ela desceu do palco, hesitante. Mas quando se aproximaram, os anos entre eles pareceram evaporar. Se abraçaram. Longamente.
- Eu... não acredito - disse Clara, emocionada. - Pensei que nunca mais fosse te ver.
- Eu pensei a mesma coisa. Você está... incrível.
Ela sorriu, com as mãos ainda trêmulas.
- Você está diferente... sério. Mas é você. O Leo que roubava livros da biblioteca do colégio pra me impressionar.
- Ei, eu devolvia depois! - respondeu ele, rindo.
- Mais ou menos.
- Você tem um minuto? - perguntou ele. - A gente podia... tomar um café?
Ela hesitou por um instante, depois assentiu.
- Claro. Vamos.
No café próximo ao evento, sentaram-se em uma mesa isolada. Pediram os mesmos pedidos de sempre: ele, um espresso forte; ela, um cappuccino com canela.
- Então... CEO? - disse Clara, brincando.
- Desde os dezoito. Quando meu pai morreu, deixaram tudo nas minhas mãos. Não tive muita escolha.
Ela assentiu, olhando-o com suavidade.
- Eu fiquei sabendo... Sinto muito.
- Obrigado. Eu... nunca falei disso com ninguém. - Ele abaixou os olhos. - Quando aconteceu, eu queria te procurar. Mas tudo virou um caos. A empresa, os advogados, os conselhos. Fui engolido por tudo aquilo.
- Eu entendo. Só que... doeu. De repente você sumiu.
- Eu sei. Fui um idiota. Você me mandou cartas... eu guardei todas. Nunca respondi. Mas nunca consegui jogar fora.
Ela desviou o olhar, respirando fundo.
- Eu te esperei, Leo. Durante muito tempo. Depois desisti. Achei que você tinha me apagado.
- Nunca apaguei. Só... me perdi.
Clara ficou em silêncio por alguns segundos. Então, soltou um leve riso.
- Ainda bebe café amargo como se fosse castigo.
- E você ainda põe canela no seu.
Eles riram. Pela primeira vez, em muito tempo, Leonardo se sentiu leve.
- O que você tem feito? - perguntou ele.
- Sou professora, escritora. Dou palestras como essa. Tento levar um pouco de arte para o mundo corporativo. Sabe como é... ainda idealista.
- Eu invejo isso. Sério.
Ela o encarou.
- O que aconteceu com aquele garoto que dizia que ia mudar o mundo?
Leonardo suspirou.
- Virou um homem que tenta manter o mundo inteiro de pé.
- Às vezes, Leo, a gente precisa deixar o mundo desabar um pouco... pra poder viver de verdade.
Nas semanas seguintes, Clara e Leonardo passaram a se ver com frequência. Ele a convidou para visitar a empresa. Mostrou-lhe os escritórios, os projetos, os números. Mas ela se interessava mais pelas pessoas por trás de tudo.
- Você podia fazer tanto com isso aqui, Leo - disse ela, em um dos almoços com os gestores. - Criar um programa de incentivo à leitura, ou formação de jovens líderes. Levar educação pra quem nunca teria acesso.
- Vem fazer isso comigo - ele disse, impulsivamente. - Cria esse projeto. Dentro da minha empresa.
Ela o olhou surpresa.
- Você está falando sério?
- Nunca falei tão sério.
E ela aceitou.
Alguns meses depois, estavam caminhando juntos pelo jardim da sede. Era fim de tarde, e o sol pintava o céu de laranja e dourado.
Leonardo parou. Tirou algo do bolso do paletó.
- Lembra disso?
Era uma carta. Amarelada, dobrada, com sua caligrafia.
- Minha carta? Você ainda tem isso?
- Guardei por todos esses anos. Às vezes eu lia, me perguntando como teria sido se eu tivesse respondido.
- E como teria sido?
Ele a encarou.
- Talvez... a gente estivesse aqui do mesmo jeito. Mas sem tantos silêncios no caminho.
Ela sorriu.
- Talvez.
- Clara... - ele disse, com a voz mais baixa. - Eu não quero mais perder você. Não como amiga, não como parceira. E... não como mulher.
Ela deu um passo à frente.
- E o CEO durão vai conseguir espaço na agenda pra isso?
- Só se você prometer continuar colocando canela no meu café.
Ela riu e o abraçou, dessa vez mais apertado, mais inteiro.
- Prometo. Mas só se você prometer não fugir de novo.
- Nunca mais.