Amelia, agachada atrás da porta de serviço, sentou-se de repente. Sua voz o traiu antes que seus passos fossem ouvidos. Ele sempre falava como se tudo lhe pertencesse: o ar, a terra, o direito de incomodar.
Luciano encostou um ombro no batente da porta e cruzou os braços. Ele estava relaxado, mas seu olhar era penetrante.
"Boa postagem de antes", ele disse, com um meio sorriso zombeteiro. Tapete persa, pés molhados. Deve ser uma nova tradição para a sua espécie.
Amelia cerrou os punhos com força. Não porque eu não esperava o comentário. Eu estava esperando por isso. Eu o conhecia. Ele era esse tipo de rico.
Mas doeu do mesmo jeito.
-Desculpe. "Eu não tive escolha", ele respondeu, com a voz mais calma do que ele pensava naquele momento.
-Você não teve escolha? -Luciano riu, sarcástico-. Sempre há uma escolha. Por exemplo: entrar como qualquer funcionário decente. No quintal, sem escândalos. Mas é claro... você é diferente, não é? Uma estrela em ascensão? Ou apenas desajeitado?
Ela olhou para ele, dessa vez sem baixar os olhos. Não. Ele não iria se abaixar novamente. Não depois daquela ligação. Não depois de descobrir que seu pai - seu pai, que mal tinha duas camisas sem buracos - havia deixado uma dívida para um sujeito que, de acordo com o interlocutor, não faz perguntas, mas atira.
"Não preciso explicar nada a você", ele disse lentamente.
Luciano levantou uma sobrancelha. Ele deu um passo mais perto. Não agressivo, mas o suficiente para deixá-la desconfortável.
-Oh não? Que estranho. Porque você está na minha casa, pisando no meu chão, com sua tragédia pessoal pingando por todo lugar.
"A casa não é sua", ela disse num sussurro. E então, com mais força: É do seu pai.
Luciano parou. Ele sabia que aquilo era um golpe baixo. Mas eu nunca admitiria isso. Não na frente dela.
"Você tem coragem", ele disse, sorrindo com desdém. Para um esfregão.
-E você tem um ego do tamanho da sala de jantar. Para alguém que não ganhou nada para si.
Silêncio.
Luciano sentiu algo tenso no estômago. Era raiva. Era outra coisa.
Mais um passo mais perto. Ela não se moveu.
"Você não deveria estar aqui", ele disse em voz baixa e séria.
-Você já me disse.
-Não. Quero dizer, aqui. -E ele apontou com o dedo para o chão entre eles-. Na minha frente. Falando comigo daquele jeito. Como se sua opinião valesse alguma coisa.
Amelia sentiu seu corpo ficar tenso. O orgulho fervia em seu sangue, mas havia algo mais ali, pulsando mais fundo: um calor estranho e tenso que ele não sabia se era desejo ou desafio. Eu não tinha certeza. Eu simplesmente sabia que não iria recuar.
Não na frente dele.
Ele olhou para ele. Empresa. Direto. Sem pestanejar.
-Eu não tenho medo.
Luciano a observou por um longo segundo. Aquele olhar o perturbou. Não era o típico olhar suplicante. Não foi submissão. Era como se ela soubesse algo sobre ele que ele mesmo não havia descoberto.
"Talvez você devesse ficar com ele", ele respondeu.
-Talvez você devesse descer do pedestal.
A tensão era um fio tênue entre eles. Luciano engoliu em seco, sem querer demonstrar. Havia algo naquela garota. Algo na maneira como ele não se continha, na maneira como ele falava sem exageros. Isso o irritava. Isso o confundiu.
Isso o atraiu.
E isso... isso o deixou ainda mais furioso.
Ele deu um passo para trás, como se isso fosse cortar o impulso de agarrar o braço dela, empurrá-la contra a parede e silenciá-la com algo diferente de palavras.
"Da próxima vez que eu te ver no corredor principal", ele disse, seu tom frio retornando, "vou fazer com que você seja demitido." Entendido?
Amélia olhou para ele sem dizer nada. Seus olhos, escuros e grandes, não demonstravam uma gota de medo.
Apenas desprezo. E mais uma coisa. A mesma coisa que ele estava tentando negar.
Luciano se virou, mas antes de cruzar a soleira, parou.
-E limpe o rosto. Você parece um romance barato.
Ele saiu da sala sem esperar por uma resposta.
E ela, pela primeira vez a tarde toda, sorriu.
Não de felicidade.
Mas porque eu tinha acabado de ver algo que muitos não conseguiam ver:
Ele não estava tão calmo quanto fingia estar.
Amélia ficou sozinha, mas sua mente não.
Ele fechou os olhos por um momento. Seu coração batia forte no peito. Eu ainda conseguia sentir o cheiro do seu perfume. Aquela maldita colônia que custou mais que todo o seu salário.
Ele se lembrava da voz dela. Seu tom de zombaria.
"Você parece um romance barato."
E ainda assim...
ele havia saído desconfortavelmente.
Ela havia ganhado alguma coisa. Eu não sabia exatamente o que, mas eu sentia.
Ele pegou o esfregão que havia deixado na entrada da sala de música e encheu o balde com água e sabão. O trabalho continuou. A vida não parou por causa de algumas frases ásperas.
Mas seu coração, aquele que ela aprendera a endurecer desde criança, estava abalado.
Não pelo que Luciano disse.
Mas pelo que ele não disse.
E o jeito como ele olhava para ela.
Como se, por um breve momento, ela não fosse mais uma serva...
mas uma ameaça.
Luciano, em seu quarto, jogou a camisa no chão com um gesto brusco.
Ele caminhou até a janela e a abriu. O ar frio da noite dificilmente o acalmava.
A conversa deixou um gosto metálico em sua boca.
Não foi a primeira vez que um funcionário ultrapassou os limites. Mas isso não era a mesma coisa.
Ela não olhou para ele com medo ou submissão.
Olhei para ele como se pudesse ver o que havia dentro dele. E isso o assustou.
Ele derramou água fria no rosto. Ele se apoiou na pia.
Por que ele se importava?
Ela era apenas uma funcionária.
Mais um.
Mas aquela boca. Aqueles olhos.
Essa atitude.
Luciano cerrou os dentes. Talvez ele precisasse colocá-la em seu devido lugar.
Ou talvez...
Eu só precisava vê-la novamente.