A empregada e o jovem herdeiro
img img A empregada e o jovem herdeiro img Capítulo 3 Pão com sal e uma irmã chorando
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Capítulo 6 O bilhete debaixo da porta img
Capítulo 7 O atrito no elevador img
Capítulo 8 As câmeras reveladoras img
Capítulo 9 Primeiro beijo, gosto de raiva img
Capítulo 10 O chefe organiza um casamento img
Capítulo 11 Seu mundo escondido img
Capítulo 12 A Noite do Menino Jesus img
Capítulo 13 Primeiro amor verdadeiro img
Capítulo 14 A ameaça do pai img
Capítulo 15 O beijo na frente de todos img
Capítulo 16 Recomeçar do nada img
Capítulo 17 O segredo do pai de Amélia img
Capítulo 18 Encontro no Telhado img
Capítulo 19 O ataque img
Capítulo 20 Separados à força img
Capítulo 21 A promessa dos ausentes img
Capítulo 22 Uma criança sem sobrenome img
Capítulo 23 Do berço à fome img
Capítulo 24 O retorno inesperado img
Capítulo 25 Um filho que não sabe sobre mim img
Capítulo 26 O preço do silêncio img
Capítulo 27 A verdade prevalece img
Capítulo 28 Gabriel os une img
Capítulo 29 A vingança de Martina img
Capítulo 30 Uma família em segredo img
Capítulo 31 O julgamento do sobrenome img
Capítulo 32 Isabelita adoece img
Capítulo 33 O retorno do pai perdido img
Capítulo 34 Luciano renuncia ao seu sobrenome img
Capítulo 35 A queda do De la Vega img
Capítulo 36 Gabriel adoece img
Capítulo 37 O casamento no bairro img
Capítulo 38 Nova casa, nova vida img
Capítulo 39 Uma carta de reconciliação img
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Capítulo 3 Pão com sal e uma irmã chorando

A rua cheirava a umidade e abandono. O céu, coberto por um manto cinza, começou a cair uma garoa fina. Amélia correu com os sapatos encharcados, o uniforme ainda úmido da limpeza, o coração apertado e os pensamentos confusos.

Pai... de novo. Porque? Por que você sempre foge quando mais precisamos de você?

As palavras ecoaram: "Eles o viram no terminal, Amélia. Ele estava fugindo. A dívida não é pequena."

A voz era de Mauricio, um homem de outra época da vida. Ele era companheiro do pai, que também era caminhoneiro. Eu me lembrava vagamente dele: seu cheiro de diesel e cigarro, sua voz de pedra raspada, sua presença intermitente. Ele nunca foi da família, mas apareceu quando todos os outros não apareceram. Em tempos difíceis, isso contava.

O portão de chapa metálica rangeu ao se fechar atrás dela.

Amelia empurrou o ombro contra a porta quebrada de sua casa. A trava estava frouxa, assim como todo o resto. O vento soprava pelas frestas das paredes de madeira, e o teto pingava com a insistência de uma ferida aberta. Uma gota. Outro. E outro. Como se o mundo o lembrasse de que as coisas sempre podem piorar.Lá dentro cheirava a mofo, sopa velha e resignação.

-Emília? -A voz trêmula veio do canto onde um velho colchão servia de cama e abrigo.

Isabelita.

Sua irmã de seis anos estava encolhida sob um cobertor furado. Suas bochechas estavam vermelhas de febre, seu corpo fraco, seus olhos grandes e assustados. Seu nariz estava escorrendo e sua respiração estava ofegante, como se doesse simplesmente estar viva.

"Estou aqui, meu amor", disse Amelia, caindo de joelhos ao lado dele.

A menina. Seu corpo, ossos finos e olhos grandes. Ela parecia com a mãe. Para sua mãe quando ela ainda estava rindo. Quando o abandono ainda não lhe havia tirado a juventude. Amelia gentilmente afastou o cabelo suado da testa dele.

-Você comeu alguma coisa?

Isabelita balançou a cabeça.

"Não havia nada", ele murmurou. Apenas um pedaço de pão. Mas tinha mofo...

Amelia fechou os olhos por um segundo. Ele engoliu em seco. Eu não conseguia chorar. Agora não.

Ele pulou e foi até a cozinha, um espaço minúsculo com um único fogão que mal funcionava. Ele verificou o armário. Nada. Apenas um pote de sal, outro de café velho e uma lata vazia de leite em pó.

Ela procurou em sua bolsa. Ele contou as moedas.

Cinquenta e três centavos.

-Não tenho nem o suficiente para um ovo...

Ele voltou para Isabelita, com o pão duro nas mãos. Ele raspou com uma faca até remover o mofo e cortou ao meio. Ele polvilhou um pouco de sal. Como quando elas eram meninas e brincavam de ser princesas e essa era sua "comida real".

Ele deu para sua irmã.

-Pão com sal. Nosso favorito, ele disse, forçando um sorriso.

Isabelita pegou e mordeu sem dizer uma palavra. Amelia a observou comer com um nó na garganta. Ele estava com febre. Não muito, mas o suficiente para preocupar. E a tosse que não passava há semanas. Não havia remédio. Nem mesmo um médico. Nem mesmo um pai.

-E o pai...?

A pergunta foi um golpe duro.

Amélia engoliu em seco.

-Não sei, Isabelita. Mas não se preocupe. Eu vou cuidar de você. Como de costume.

Ele acariciou os cabelos dela, agora emaranhados e grudados em seu rosto suado.

Isabelita deu um sorriso fraco antes de morder. Ele mastigou lentamente, como se fosse difícil para ele. Amelia a observou comer com uma mistura de ternura e culpa. Não foi justo. Para uma menina tão pequena, o mundo não deveria ser tão cruel.

O celular vibrou em seu bolso. Maurício novamente.

-O que mais você sabe? - ele respondeu sem cumprimentar.

-Eu te contei o que vi. Seu velho saiu de um caminhão como uma alma carregada pelo diabo. Ele perguntou por um certo Gordo Nino e desapareceu. Ele não voltou para buscar seu caminhão, e há pessoas más procurando por ele. Amélia, estou lhe dizendo claramente: não procure por isso.

-Não posso fazer isso. É meu pai.

-Sim, e ele também é um homem com mais dívidas do que alma. Você decide.

Ele desligou.

Amélia fechou os olhos. Isabelita estava dormindo agora, mas sua respiração ainda estava difícil. Ele molhou um pano e colocou-o na testa. A febre não baixou. Eu tinha que comprar algo para ela. Refeição. Medicamento. Qualquer coisa.

E eu tive que voltar a trabalhar naquela mesma noite.

A imagem do Luciano apareceu, sem querer. Seu terno passado. Ela esfrega seus sapatos limpos no mármore. Sua voz carregada de desprezo. Mas também, aquele olhar fugaz... algo quebrou nele por um segundo.

Ele realmente a viu? Ou ele só viu o criado que ousou atravessar o tapete?

Não importava.

Amélia se levantou. Ele olhou para o balde quase cheio sob o vazamento. A chuva continuou a cair, gota a gota, como um relógio marcando o ritmo de sua derrota.

Mas ele não desistiu.

Ele tinha uma irmã que chorava silenciosamente, um pai que fugia como uma sombra e um mundo que o lembrava todos os dias que ele valia menos que um tapete manchado.

E ainda assim, eu retornaria à mansão amanhã.

Porque às vezes a dignidade é engolida como pão amanhecido com sal.

Porque sobreviver também é uma forma de resistência.

Mais tarde naquela noite, enquanto Isabelita dormia tremendo, Amélia saiu para o pátio. O chão estava molhado, suas sandálias grudavam na lama. Ele pegou seu celular, que mal tinha sinal, e discou.

-Maurício?

-Amélia? Onde você está?

-Em casa. Preciso saber se você sabe de mais alguma coisa.

Um silêncio do outro lado. Longo. Tenso.

-Você não deveria estar lá. Está ficando feio.

-O que meu pai fez?

-Ficava feio em pessoas perigosas. Muito perigoso. Não é apenas uma dívida. É outra coisa. Algo que ele não queria me contar. Mas se ele se envolveu com essas pessoas... você e sua irmã estão em perigo.

O coração de Amélia parou por um segundo.

-Quem são eles?

-Não por telefone. Apenas... tome cuidado. E se você vir alguém estranho, não abra a porta.

A chamada foi cortada.

Amelia ficou parada com o celular tremendo na mão.

A noite de repente ficou mais fria. O vento soprava do norte, trazendo detritos e ameaças. O gotejamento continuou seu ritmo. Tique. Tique. Tique.

Amelia olhou para o céu nublado.

Eu não tinha mais ninguém.

Somente para Isabelita.

Apenas as mãos.

E uma vontade que ainda não havia sido quebrada.

Amanhã ele retornaria para a mansão. Ele engoliria seu orgulho. Esfregão na mão, sorriso invisível. Ela olharia novamente para aquele homem com olhos frios, que a tratava como se ela não valesse nada.

E eu continuaria.

Porque eu não podia cair.

Porque sua irmã dependia dela.

Porque o amor, mesmo sendo pobre, não desiste.

            
            

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