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A casa cheirava a cera e lavanda. O mármore brilhava arrogantemente à luz natural que entrava pelas grandes janelas. Amelia, ainda segurando o pano úmido, permitiu-se um segundo. Só um segundo. Ele apoiou a testa no batente de uma daquelas janelas gigantescas na ala leste, onde o sol não apenas o aquecia, mas também parecia convidá-lo a sonhar.
Lá fora, o jardim parecia saído de uma revista. Cuidadores podando arbustos redondos como se fossem esculturas. Fontes que jorravam água como se a escassez não existisse. E crianças... não, não crianças.Meninas com vestidos caros, sapatos de couro envernizado e tranças perfeitas correndo atrás de uma babá francesa.
"Isabelita seria feliz em um lugar como este..." pensou ele, sem conseguir se conter.
E foi exatamente então.
Um som de saltos, secos e duros, interrompeu seu devaneio. Ele não precisou se virar. Eu já sabia disso.
-O que você está fazendo aqui?
A voz era gélida. Tão reto quanto o penteado da mulher que a olhava com repulsa: Martina de la Vega, matriarca do clã, senhora absoluta da mansão, mãe de Luciano.
Amélia abaixou a cabeça imediatamente.
-Com licença, senhora, eu só...
-E você? - interrompeu Martina, dando mais um passo. Seu perfume forte e caro a envolvia como uma nuvem sufocante. Esta ala não lhe pertence. Nenhuma janela corresponde a ela. Você limpa, você não observa.
Amélia engoliu em seco. Ele sentiu o coração bater forte na garganta.
-Por favor, não foi minha intenção desrespeitar. Eu só... precisava de ar.
Martina inclinou a cabeça, aquela expressão de desprezo aparentemente tatuada em seu rosto.
-Não me importa o que você precisa. Ou você acha que está aqui para viver como um de nós?
"Não, senhora..." Sua voz tremeu.
-Qual o seu nome?
-Amélia.
-Não por muito tempo.
A frase caiu como uma porta se fechando. Martina girou nos calcanhares e estalou os dedos. Do fundo do corredor surgiu Leopoldo, o mordomo.
-Demitam-na. Hoje. Deixe-o pegar suas coisas e sair antes do almoço.
Sua alma afundou no chão. Amélia sentiu os joelhos fraquejarem.
-Não, por favor! -Ele se ajoelhou sem pensar. Ela agarrou a bainha do uniforme do mordomo como se fosse uma tábua de salvação. Sra. Martina, eu imploro! Minha irmãzinha está doente, preciso desse emprego!
-Que vulgar! -Sra. de la Vega deu um passo para trás como se Amélia a tivesse contaminado com seu toque.
"Eu imploro..." ela continuou, enquanto suas lágrimas caíam pesadas e salgadas. Sem dignidade, mas com todo o amor do mundo por Isabelita. Não tenho para onde ir! Por favor!
"Isso é inaceitável", disse Martina. Mas sua voz falhou por uma fração de segundo. Uma careta de desconforto cruzou seu rosto, como se ele estivesse incomodado porque o apelo não lhe dava prazer, mas desconforto.
Leopoldo olhou para a senhora e depois para Amélia. Em seu rosto envelhecido, havia uma sombra de pena.
"Senhora..." ele disse com uma voz profunda e suave. Amélia é uma boa trabalhadora. Pontual. Discreto. Não causou nenhum problema antes. Talvez um... um chamado para acordar seja suficiente.
Martina franziu os lábios. O silêncio ficou denso.
Amélia, ainda no chão, mal respirava.
"Mais uma", disse a senhora finalmente, sem olhar para ela. Apenas mais um erro e nem mesmo o Papa poderá salvá-la. Entendido?
Amelia assentiu, soluçando.
Martina foi embora, mas não sem antes lançar um último olhar cheio de desdém.
Quando o som dos saltos desapareceu, o mordomo agachou-se até ficar na altura dela.
-Levanta, menina. Nunca mais se ajoelhe diante dela.
-Obrigado, Sr. Leopoldo. Obrigado.
-Não me agradeça. Dói-me ver alguém tão jovem a mendigar desse jeito. Mas tenha cuidado. Esta casa não perdoa.
Amélia assentiu. Ele enxugou o rosto com a manga. A dignidade foi perdida, mas o trabalho, por enquanto, estava garantido.
Ao se levantar, ele sentiu algo quebrar dentro dele. Um pouco mais do seu orgulho. Um pouco mais da sua fé.
Mas quando ele pensou em Isabelita, febril, abraçando o urso sem olhos, tudo valeu a pena.
Uma empregada olhando pela janela pode parecer um ato pequeno.
Mas numa casa como aquela, era quase uma declaração de guerra.
E Amélia já havia aprendido que a pobreza, além da fome, também traz punições por olhar muito alto.
Amélia atravessou o corredor em pequenos passos. Assim que ela dobrou a esquina, lágrimas brotaram de seus olhos como se uma torneira tivesse sido aberta. Ela cobriu o rosto com as mãos, encostou-se na parede e caiu de joelhos.
Eu queria gritar, desaparecer. Era tão humilhante implorar. Mas era isso... ou fome. Era isso... ou Isabelita com febre em uma casa que estava caindo aos pedaços.
O que ele não sabia era que do outro lado do corredor, atrás de uma cortina entreaberta, Luciano De la Vega tinha visto tudo.
Eu já estive lá antes, apenas observando por acaso. Mas quando ouviu sua mãe, ele ficou em silêncio. E quando viu Amélia implorando, com a voz embargada, sentiu algo estranho no peito. Pena? Curiosidade? Raiva?
Eu não sabia. Ele só viu o esfregão que ela ainda segurava, suas mãos sujas, seu rosto brilhando de lágrimas.
E por um segundo - apenas um segundo - sua arrogância tremeu. Porque aquela menina não desistiu por orgulho ou desafio. Ele implorou por outra pessoa.
E isso... isso parecia terrivelmente desconfortável para ele.
Das sombras, Luciano a observava chorar. Sem dizer nada. Sem intervir. Mas sem conseguir parar de olhar.