Larguei a mochila no canto do sofá e caminhei lentamente até a cozinha, já prevendo que ela tentaria arrumar tudo correndo e eu adoraria acompanhar essa cena. Ao me aproximar mais pude ouvir alguns sussurros e alguém tentando disfarçar as risadas.
– Droga! Me ajude Harold, ele não pode entrar aqui e ver isso!
– Uh... Alana? Não tem como salvar isso, é melhor aceitar.
Apenas parei na porta e fiquei admirando a cena: um Harry sentado em cima da bancada onde geralmente tomamos café e uma Alana com farinha de trigo até em seus pensamentos, tentando passar o que deveria ser um creme em alguma coisa quase carbonizada com o formato indefinido.
– O que foi dessa vez, amor? – Caminhei até ela que pareceu congelar no lugar por um momento antes de baixar a cabeça, mas eu pude notar a coloração avermelhada que rapidamente tomou conta da pele abaixo de seu pescoço até a ponta das orelhas delicadas.
Já presenciei tantas cenas parecidas com essa que não sei por que ela ainda reage do mesmo jeito.
Me aproximei até estar atrás dela e envolvi seu pequeno corpo com meus braços, a abraçando pela cintura.
– Oh, era um bolo! Posso saber qual o motivo de comemoração, amor? – Apoiei minha cabeça em seu ombro e coloquei o máximo de carinho em minha voz tentando confortá-la.
– Falei que ele não ia se importar, Lala! – Harry estendeu uma das mãos para tirar um pouco de farinha do ombro dela, e eu me obriguei a achar aquilo um comportamento normal entre amigos. – E aí Liam, como está cara? – Ele perguntou sem ao menos olhar diretamente para mim, mas deixei passar.
– Feliz Harry, nunca pensei que diria isso, mas estou muito feliz por ter acabado essa bendita semana!
– Eu só... – Alana falou entre nós em um tom tão baixo que quase não escutei.
– Aqui amor. – Falei enquanto estendia um pano de prato limpo para ela poder se limpar. – Isso, olha para mim! Não aconteceu nada demais, certo? Você não parece ter nenhum corte ou queimadura, então é sinal de que você está evoluindo. – Realmente falei sério, pois sei o quanto ela se esforça tentando acertar receitas de coisas que sabe que eu gosto.
Ela me retribuiu com um pequeno sorriso e olhos brilhando, mas fomos interrompidos por uma crise de risadas de Harry, que estava literalmente chorando de tanto rir.
– Qual é? Qual é, cara!?! Você não pode estar falando sério! A pequena aqui é o maior desastre que já vi na cozinha! Quando eu cheguei achei que a casa estava pegando fogo.
Fiquei apenas observando enquanto ele ria, chegando a jogar o corpo todo para trás algumas vezes.
– Não está ajudando muito, Harry. Por que não deixa que Lala e eu arrumamos tudo por aqui enquanto você aproveita o ar puro em outro canto da casa?
– Liam...
– Tudo bem, Alana. Desculpa se eu peguei pesado. Não sabia que o casal do ano era tão sensível. Vou jogar FIFA na sala, ok?
Nenhum de nós falou mais nada até que ele saísse da cozinha. Alana por estar com ainda mais vergonha depois da cena toda e eu por estar com muita raiva do cacheado. Ela já disse várias vezes que tenho implicância com ele, mas não é assim! Apenas não gosto desse jeito dele, como se fosse um amigo íntimo e nos conhecessemos desde sempre, ainda mais com a minha namorada.
– Lala? Ele é um idiota, fez cursinho em um nível avançado e deve ter um diploma de honra ao mérito em algum lugar por aqui.
– Li, eu só queria que chegasse e tivesse algo que gostasse para comemorar o final dessa semana, porque eu sei que não foi fácil para você, amor.
Detesto quando ela fica assim, desde pequenos sempre fui eu quem quis a defender dos colegas mais velhos que mexiam com ela por ser mais quieta e delicada do que nossos outros amigos, mesmo sabendo que sem mim ela possivelmente faria qualquer pessoa chorar com poucas palavras, como muitas vezes aconteceu. Precisei de alguns anos e algumas conversas sérias entre nós, para entender que ela era totalmente capaz de cuidar de si mesma, mas algumas vezes ainda tenho esse primeiro impulso primitivo de colocá-la em uma redoma.
Reforço mais meu aperto na cintura dela e a levanto até sentá-la na bancada, me aconchegando entre suas pernas.
– Em todos esses anos, alguma vez eu falei algo ruim quando você fez algo que não deu tão certo? – Ela voltou a baixar a cabeça encarando o espaço entre nossos corpos, apenas acenando com a cabeça em negação.
– Hoje não vai ser a primeira vez, nunca vai me ver fazendo isso e você sabe disso, não sabe? Eu posso sentir todo o amor e carinho que você colocou ali, também sei que era tudo para mim. Posso comer um pedaço se você quiser...
– Não! Não, você vai acabar passando mal ou doente. Até eu sei que é um caso perdido!
– Vamos fazer assim: limpamos o restante das coisas e eu tomo um banho rápido. Depois saímos para jantar em algum lugar, o que acha?
Finalmente ela voltou a erguer os olhos para me encarar, agora visivelmente mais tranquila e eu sorri com a cena. Como Lala pode ser um demônio quando estamos sozinhos e um adorável anjinho nessas situações?
– Só se você me deixar tomar banho junto com você, ainda é cedo para jantar. – Ela terminou de falar me dando aquele meio sorriso que eu sabia exatamente o que significava e ali estava o pequeno demônio se exibindo na minha frente.
– Se ainda é cedo vocês podem esperar e me deixar ir primeiro. – Charlie fala quase gritando enquanto entra apressada na cozinha, indo pegar algo na geladeira.
– Onde é o incêndio, Charlotte? – Perguntei enquanto assistia ela devorando uma maçã como se não comesse nada há muito tempo.
– Não foi aqui na cozinha? Brincadeira! Eu achei fofo seu esforço Alana, mas tenho um encontro daqui a pouco! Estou correndo atrás desse carinha desde o semestre passado e sem chance de me atrasar para encontrá-lo.
– Tudo bem então... – Falei devagar, mas algo dentro de mim se agitou e percebi que queria saber quem era capaz de deixar a distante Charlotte Mazzue tão ansiosa desse jeito – Uh? Ele deve ser muito bonito. Digo... Pra te afetar desse jeito.
– Você não tem ideia! Aposto que vocês dois iam querer dar uns pegas no Lucas se o conhecessem, mas infelizmente essa noite ele é apenas meu. Boa sorte aí com a limpeza!
Ela se apressou em jogar os restos mortais da fruta na lixeira ao lado da pia e saiu correndo da mesma maneira que chegou. Charlie deve mesmo gostar desse garoto, pois nas nossas conversas ela sempre demonstra não ter se apegado de verdade a ninguém até agora e se ela está correndo atrás há tanto tempo... E por que eu tenho que me importar com isso?
– Liam! Alô! Volta pra mim? – Disfarcei meu pequeno devaneio roubando um beijo de uma Lana que parecia um pouco incomodada. – Obrigada, muito obrigada! Vai mesmo me ajudar aqui ou ficar encarando a porta por mais algumas horas?
– Rude. Só vou ajudar porque eu te gosto muito, sua mal agradecida!
Comecei a ajudar com a louça enquanto Alana tentava desgrudar a coisa queimada da forma que, provavelmente, sofreu perda total, mas não quis dizer isso para ela. O problema é que mesmo sem ter provado o bolo eu sentia um gosto amargo na boca enquanto tentava entender por que imaginar Charlie em um encontro me deixou tão incomodado sem motivo algum.