OS AGROBOY'S - PAIXÃO INTENSA
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Capítulo 4 4

Rachaduras e Raízes

O sol já se escondia atrás das colinas quando Léo bateu à porta da casa da vizinha com uma caixa de madeira nas mãos. Dentro, duas dúzias de ovos caipiras ainda quentes do ninho.

Laura apareceu com as mãos sujas de farinha, o cabelo solto e o rosto salpicado de farinha.

- Boa noite. Trouxe uns ovos - ele disse, levantando a caixa como quem entrega uma oferta de paz.

- Tá querendo me adoçar com gentileza, seu Léo?

- Só achei que a Liz podia gostar de bolo.

Ela deu um passo para o lado e abriu a porta.

- Pode entrar. Tá quase pronto. Fiz cuca.

Ele hesitou. Até aquele momento, sempre ficara do lado de fora. Mas havia algo no jeito dela dizer "pode entrar" que soava menos como convite e mais como pertencimento. Como se ela já o tivesse aceitado - mesmo sem saber o que isso significava.

Léo entrou devagar. A casa ainda cheirava a tinta fresca misturada com café e pão assando. Um lar sendo montado aos poucos. Tudo era simples, mas cheio de alma. O rádio ligado baixinho tocava música sertaneja antiga, e um desenho animado passava sem som na TV para entreter Liz, que brincava no chão com tampas de panela.

- Oi, tio Léo - disse a menina, sorrindo com os dois dentinhos da frente faltando.

- Oi, guria. Tá aprontando?

- Fiz uma casa de galinha com as tampas.

Léo riu.

- Tá ficando boa.

Laura trouxe duas canecas de café preto e um prato com cuca de banana. Sentaram-se à mesa. Ele tirou o chapéu, e por um momento, parecia menos rústico. Mais... humano.

- Há quanto tempo você tá aqui? - perguntou ela.

- Desde que nasci. Nasci nesse chão, plantei meu primeiro pé de fumo com nove anos. Enterrei meu pai aqui no mês passado.

Laura pousou a caneca.

- Sinto muito.

- Ele estava doente fazia tempo. Mas é difícil, sabe? Parece que a gente perde o rumo, mesmo sabendo o caminho.

- Eu sei bem como é. A gente tenta seguir... mas parece que a alma fica presa no que ficou pra trás.

- E o teu passado? - ele perguntou, sem rodeios.

Ela respirou fundo.

- Apanhei durante cinco anos. Tive uma filha no meio daquilo tudo. E um dia, consegui fugir com a roupa do corpo e um cartão de supermercado emprestado. Desde então, luto pra ela ter uma vida que eu nunca tive. Com liberdade. Com dignidade.

Léo não respondeu de imediato. Seus olhos estavam fixos nela, como se reconhecesse as cicatrizes não ditas.

- É forte.

- Não sou forte. Só não tive escolha.

Ele concordou com um leve aceno.

- E essa casa aqui?

- Comprei de um viúvo que queria voltar pro Paraná. Tava mais barata que qualquer aluguel em cidade grande. E aqui... eu posso ensinar minha filha a plantar. A colher. A respeitar a terra. Isso vale mais que muito conforto.

O silêncio entre eles não era desconfortável. Era o tipo de silêncio que só duas pessoas calejadas entendem. O tipo que diz mais do que as palavras.

Depois, Léo se levantou.

- Amanhã vou trazer umas mudas. Vi que tua horta tá meio torta. Posso ajudar.

Laura sorriu.

- Cuidado, seu Léo. Desse jeito vai acabar ficando.

Ele olhou nos olhos dela. E disse, baixo:

- Vai ver... eu só precisava de um motivo.

Os dias seguintes foram como o gotejar lento da chuva fina sobre a terra seca. Umedecendo, amaciando, abrindo espaço pra semente germinar.

Léo passava todas as manhãs antes da lida só pra verificar se estava tudo bem. Laura ria mais. Liz o seguia por todo lado, como se fosse um novo tio favorito. A horta crescia, e com ela, algo invisível também criava raiz.

Mas em cidade pequena, todo movimento tem olhos. Línguas soltas. E quando a ex-namorada de Léo, Letícia Bernardes, retornou à cidade para o velório do pai dele, viu a nova vizinha com olhos de rancor e desdém.

- Então é essa aí que tá cuidando da tua cerca agora, Léo? - ela perguntou, certa tarde, parada na beira do campo.

Ele limpou o suor da testa e a encarou por baixo do chapéu.

- Não é da tua conta.

- Ainda tem o mesmo orgulho de sempre. Mas cuidado... essa mulher não é daqui. Vai fazer o mesmo que eu: ir embora.

Léo fechou o semblante.

- O que aconteceu entre a gente já morreu. Não tenta plantar erva daninha onde tá começando a nascer coisa boa.

Letícia riu, debochada.

- Vai ver você só gosta de mulher com passado quebrado. Dá uma sensação de poder, né?

Ele virou as costas e seguiu andando, mas a raiva ficou entalada no peito. Não pela provocação. Mas porque, no fundo, ele sabia que o passado podia voltar - e estragar o que estava nascendo.

Naquela noite, Laura o encontrou sentado perto da cerca, olhando o céu carregado de nuvens.

- Tudo bem?

- Letícia apareceu hoje - disse ele, sem olhar pra ela.

- Ela foi importante pra você?

- Foi. Mas me deixou quando meu pai adoeceu e a fazenda entrou em crise. Queria cidade grande, vida fácil. Eu não julgo... só não aceito mais.

Laura sentou-se ao lado dele, deixando as mãos próximas, mas sem encostar.

- Eu também fui embora. Mas pelas razões erradas.

- E agora voltou?

- Não. Agora eu estou aqui. Com tudo que tenho.

Ele olhou pra ela, e por um instante, seus dedos se tocaram.

E naquele toque leve, havia mais verdade do que em muitos beijos.

            
            

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