Desde o último encontro com Letícia, ele não dormia direito. Não porque sentisse falta dela - mas porque as palavras da ex-namorada haviam tocado um ponto sensível. Um medo que ele carregava em silêncio: e se Laura também fosse embora? E se, no fundo, ele só estivesse servindo de abrigo temporário para outra alma em fuga?
Laura acordou com o barulho de passos na varanda. Pela fresta da cortina, viu Léo com o casaco jogado sobre os ombros, olhando para o céu.
Abriu a porta com um bocejo abafado.
- Madrugou hoje.
- A chuva vem pesada. Vim ver se tu precisa de lona pras tuas coisas ali atrás da casa.
- Já cobri ontem, mas obrigada.
Ele assentiu e ficou em silêncio.
- Aconteceu alguma coisa?
- Não.
Mentira. Mas ela sabia que forçar uma resposta era como tentar colher milho verde demais: só machucava os dedos.
- Vai querer café?
- Aceito.
Enquanto ela entrava, Léo observou a varanda. As botas pequenas de Liz estavam ao lado da porta, com barro seco nas solas. Um vaso com manjericão recém-plantado ocupava a prateleira. Aquilo já era casa. Já era lar.
Sentou-se à mesa da cozinha, o cheiro de café fresco preenchendo os cantos.
Laura pousou duas xícaras. Ele a observou com mais atenção do que deveria. As mãos dela eram firmes, calejadas, e ainda assim delicadas. Era bonita, mas não de um jeito que chamava olhares - era de um jeito que segurava eles. Que prendia.
- Por que você voltou a São João do Triunfo, Léo? - ela perguntou, pegando ele de surpresa.
- Eu nunca fui embora. Nem quando pensei em ir. A terra me prende.
- Isso é bom?
- Às vezes. Outras, parece que a gente tá amarrado num passado que não quer soltar.
- Letícia é esse passado?
Ele a encarou.
- Ela foi. Mas agora... não sei se é arrependimento ou ego. Só sei que você me assusta mais que ela.
Laura riu, confusa.
- Eu?
- É. Porque tu não tá me devendo nada, não tá presa a mim, e mesmo assim... eu quero te prender. E isso é perigoso.
Ela se aproximou da mesa, apoiando os cotovelos.
- Eu não sou uma moça de cidade. Mas também não sou de passar a vida fugindo. E se eu ficar... vai ser porque escolhi. Não por pena. Não por necessidade. Mas porque a tua presença me acalma.
Léo respirou fundo.
- Eu não quero te perder, Laura.
- Então não se apressa. Só cuida da horta, e da minha filha... que o resto a gente planta com o tempo.
Do lado de fora, a chuva desabou de uma vez. Grossa, pesada, encharcando tudo. Mas dentro daquela casa simples, o calor era outro.
Mais tarde, com Liz já dormindo, Léo se preparava para sair quando Laura o impediu com um toque leve no braço.
- Fica mais um pouco.
Os olhos dele buscaram os dela. Não havia dúvida. Nem urgência. Só desejo - calmo, consciente, mútuo.
Ele deixou o casaco cair sobre a cadeira, e quando os lábios se encontraram, foi como se duas almas marcadas finalmente tivessem se reconhecido. Sem pressa, sem promessas, apenas presença.
Laura o conduziu até o quarto como quem conduz alguém ao próprio coração.
E ali, entre lençóis simples e o som da chuva no telhado, Léo sentiu que podia, finalmente, criar raízes em outra coisa além da terra.
Mas o dia seguinte trouxe mais que sol entre as nuvens.
Letícia apareceu na porteira, vestida demais para a simplicidade do campo.
- Preciso falar contigo, Léo. É urgente.
Ele saiu da estrebaria e se aproximou.
- O que foi agora?
- Estou grávida.
O mundo parou por dois segundos.
Ele não respondeu. Não podia. As palavras ficaram presas na garganta como um galho atravessado no curso do rio.
- E antes que diga qualquer coisa... é teu.
Léo sentiu as pernas bambearem.
O passado, que ele achou que tinha enterrado com o pai, estava agora vivo, pulsando, e pedindo explicações.
E Laura... Laura não fazia ideia da tempestade que ainda estava por vir.