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P.O.V. ALINA
Alguns minutos haviam se passado desde que deixamos o meu território. O carro deslizava pela estrada como uma fera em silêncio, mas o ar dentro da cabine parecia espesso demais para respirar.
Lucien mantinha os olhos fixos no asfalto à frente, a expressão pétrea. Seus dedos longos agarravam o volante com uma precisão controlada, como se a direção fosse tudo o que o impedia de explodir - ou de ceder.
Movimentei-me no banco, inquieta. Revirei a bolsa como desculpa para desviar minha mente, puxei um pacote de biscoitos e estava prestes a mordê-lo quando a voz dele cortou o ar – gélida, afiada como vidro fino.
– Não no meu carro.
Congelei, os lábios ainda entreabertos. E então, decidi desafiá-lo, mordendo o biscoito com intenção antes de guardar de volta o restante. Lucien não me olhou, mas o músculo que pulsava em sua mandíbula dizia o bastante.
Havia algo na sua autoridade que não vinha do tom – vinha da presença. E isso fazia o coração dela tropeçar num compasso perigoso.
Quilômetros se passaram, e o silêncio entre nós transformou-se em algo vivo, pulsante. Até que não aguentei mais.
– Já estamos longe o suficiente da minha casa. – Minha voz veio carregada de veneno doce. – Vai me dizer agora qual vai ser minha punição? Jejum forçado? Um treino exaustivo até meus ossos quebrarem? Ou... vai me trancar em algum porão escuro até eu chorar e pedir desculpas por invadir seu território?
Lucien franziu o cenho, lentamente. Como se a pergunta dela fosse uma lâmina que atravessava sua pele, mas que ele se recusava a sangrar.
– Que tipo de monstro você pensa que eu sou? – A voz dele era baixa, rouca. Quase... íntima.
– O tipo que os outros temem. O Alfa implacável, o juiz silencioso. Você é o Alfa Lucien. Ninguém ousa errar na sua presença.
Ele ainda não a olhou, mas sua mão apertou o volante com mais força.
– Você não é como os outros. – Ele disse rápido e firme.
– Não sou? Você mal me dirige a palavra. – Bufei, com incredulidade.
– Eu confio em você... – a frase veio como um sussurro grave que se alojou sob minha pele. – Mais do que confio em mim.
Eu o encarei, desconfiada, mas algo em minha espinha arrepiou.
– Por quê? – Indaguei.
– Porque eu te conheço. Melhor do que você se conhece.
Eu tentei rebater, mas Lucien continuou:
– E porque quero algo de você. – Ele finalmente virou o rosto em sua direção. - Meu aniversário está chegando... considere como... meu presente de aniversário.
– O que você quer? – Eu o encarei.
Lucien deu um pequeno sorriso, quase imperceptível.
– Você.
O mundo parou.
Engasguei, tossindo tão forte que precisei do apoio do painel. Em segundos, Lucien encostou o carro, abriu o porta-luvas e entregou-me uma garrafa d'água. O toque dos nossos dedos foi breve, mas carregado de eletricidade.
Eu bebi, tentando não encará-lo.
– O que você quer dizer com isso? – Falei, perplexa.
Ele inclinou-se levemente, um braço solto no volante, o corpo relaxado – mas seus olhos... seus olhos estavam em chamas.
– Eu disse que quero você. Não da forma que você está pensando. – Pausou. – Ainda não.
O rubor subiu pelo meu rosto como fogo.
– Continue. – Sussurrei.
– Há algo errado no meu território. Mulheres desaparecendo nas divisas do meu território. Suspeito que alguém, talvez um ancião do meu clã, esteja envolvido. Preciso investigar... mas sem levantar suspeitas. – O olhar dele era uma lâmina. – Quero que você fique no meu clã. Como minha companheira. Oficialmente. Como minha futura Luna.
Eu soltei uma risada incrédula.
– Você só pode estar brincando. – Passei a mão nos meus cabelos enquanto tentava digerir esse absurdo.
– Não parece plausível? – Ele me observava como se estudasse minhas reações, e continuou: – Uma aliança entre clãs. Anos de proximidade. Você é... inesquecível. Eu sou... tolerável.
– Há uma diferença de idade. Minha mãe te detesta. E você me viu crescer! – Falei enquanto tentava trazê-lo de volta à razão.
– Você tem 21. Eu tenho 33. Sua mãe me detesta porque enxerga meu poder. E quanto ao seu passado... – Ele se inclinou mais, eu pude sentir o calor da respiração dele em seu rosto. – O que eu vejo agora não tem nada de infantil. Nem de inocente.
Eu estremeci. Mas não recuei.
– E qual o preço dessa mentira? Nenhum homem ou lobisomem vai querer casar comigo sabendo que é meu ex. – Falei, sem demonstrar muitas emoções.
Lucien se aproximou mais. O espaço entre nós se desfez como neblina ao sol.
– Ninguém vai se aproximar de você. – A voz dele era um toque quente na pele. - Mas se isso for um problema... eu me casarei com você.
Meu coração bateu uma, duas vezes... e depois se perdeu no peito.
– Você podia escolher qualquer outra. Por que eu?
Lucien olhou fundo dos meus olhos, e o mundo desapareceu ao redor.
– Porque só você vê através da minha máscara. Só você me encara sem medo. Você é uma guerreira treinada, melhor que muitas que conheço. E porque, mesmo sem querer, você e eu sempre teremos uma ligação.
Ele voltou ao volante, ligou o carro.
– Ah... e quando chegarmos à minha casa, tire a lente. Não suporto a ideia de que minha mulher se esconda de mim.
O silêncio que se seguiu não era vazio. Era denso. Carregado. Como o prelúdio de algo que ambos fingiam não querer, mas que já havia começado.
A mansão de Lucien surgiu no horizonte como uma fortaleza entalhada nas sombras da noite - imponente, silenciosa, cercada por árvores altas como sentinelas. A arquitetura mesclava pedra e vidro, força e transparência. Um reflexo do próprio Alfa.
O carro desacelerou diante dos portões de ferro forjado. Assim que cruzaram o pátio iluminado por luzes âmbar, eu senti meu estômago contrair-se. Aquilo não era apenas a casa de Lucien - era o trono do clã Sangue de Prata. E, por ora, meu novo lar.
Lucien desligou o motor e saiu primeiro. Contornou o carro com passos lentos e firmes, abrindo a minha porta como um cavalheiro – ou como alguém marcando território.
Desci sem agradecimentos. O olhar dele pousou sobre mim, quente e firme.
– Bem-vinda ao meu território – disse em tom grave. – Aqui, você está segura.
Ergui o meu queixo, e com os olhos afiados.
– Isso depende de quem está à solta por aqui.
O canto da boca de Lucien se curvou, lento. Ele parecia gostar da resistência.
Entramos juntos no saguão, onde o rústico e o sofisticado coexistiam. Tapetes de pele legítima, lareiras crepitando, paredes adornadas com espadas cerimoniais, livros antigos, e retratos em preto e branco de Alfas de eras passadas. Tudo exalava poder masculino – e âmbar, couro e algo perigosamente selvagem.
– Vou te mostrar seu quarto. – Disse ele, já subindo os degraus sem olhar para trás.
Eu o seguiu. O som dos passos ecoava no corredor amplo, abafado apenas pelas batidas aceleradas do meu próprio coração. Lucien parou diante de uma porta dupla, empurrou-a com uma mão e revelou um quarto espaçoso, com cama de dossel, cortinas de linho leve e uma varanda voltada para a floresta.
– Este é seu espaço enquanto estiver aqui.
– Este não é quarto de hóspedes. Você quer mesmo que eu durma no seu quarto? - Ergui uma sobrancelha, carregada de ironia.
– Como você sabe que este não é o quarto de hóspedes? Indagou, um sorriso malicioso surgiu em seus lábios.
– Tem seu cheiro. – Revisei os olhos.
Ele virou-se devagar, o rosto banhado pela luz suave do abajur.
– Você é minha "namorada", lembra? Vão se perguntar por que não dorme comigo. – Ele se aproximou, lento. – E mesmo que não durmamos... vai parecer que sim.
Eu pisquei lentamente. O calor subiu pelo meu rosto.
– Então... é tudo teatro?
Lucien inclinou levemente a cabeça, os olhos fixos nos lábios dela.
- Por enquanto.
O ar entre nós ficou denso, pesado de algo não dito. Eu recuei um passo, mas ele nem se mexeu. Era como encarar uma tempestade prestes a explodir.
– Está com medo, Alina?
Respirei fundo, firme.
– De você? Nem um pouco.
– Que sorte a sua. – Murmurou ele, com um sorriso quase preguiçoso. - Eu mordo... mas só quando pedem.
Soltei uma risada breve e nervosa, desviando-se em direção ao espelho no banheiro. Ali, higienizei minhas mãos e retirei as lentes de contato escura, revelando a verdadeira coloração dos meus olhos. Quando voltava para o quarto, ele ainda estava à porta – como se fosse a porta.
O olhar dele escureceu, ficando mais quente.
– Você devia se mostrar assim mais vezes. É quase... perigosa. – Falava com uma voz rouca.
Ela não desviou.
– E você devia aprender a calar a boca antes que alguém a costure.
Lucien riu, baixo, rouco. Fechou a porta com um estalo suave enquanto entrava no quarto, deitando-se no sofá que fica a poucos metros da cama.
– Boa noite, Alina. Amanhã cedo teremos visitas. Quero você ao meu lado. Vista algo que diga: "sou intocável, mas vale a tentativa".
Eu cruzei os braços, desafiando.
– Isso é uma ordem, Alfa?
O sorriso dele foi lento. Um predador saboreando a presa – ou o jogo.
– É um pedido.
Ele fechou os olhos, com braços cruzados, e dormiu.
Sentei na cama, ainda vestida, os olhos presos ao teto. Meu corpo tremia. Não de medo. Mas de uma energia inquieta.
Estou em território desconhecido, sob o teto de um Alfa. Fingindo ser a mulher dele. E, pela primeira vez... questionei se o jogo se viraria contra mim.