Capítulo 4 Silêncio e Faísca

P.O.V. ALINA

Alguns minutos haviam se passado desde que deixamos o meu território. O carro deslizava pela estrada como uma fera em silêncio, mas o ar dentro da cabine parecia espesso demais para respirar.

Lucien mantinha os olhos fixos no asfalto à frente, a expressão pétrea. Seus dedos longos agarravam o volante com uma precisão controlada, como se a direção fosse tudo o que o impedia de explodir - ou de ceder.

Movimentei-me no banco, inquieta. Revirei a bolsa como desculpa para desviar minha mente, puxei um pacote de biscoitos e estava prestes a mordê-lo quando a voz dele cortou o ar – gélida, afiada como vidro fino.

– Não no meu carro.

Congelei, os lábios ainda entreabertos. E então, decidi desafiá-lo, mordendo o biscoito com intenção antes de guardar de volta o restante. Lucien não me olhou, mas o músculo que pulsava em sua mandíbula dizia o bastante.

Havia algo na sua autoridade que não vinha do tom – vinha da presença. E isso fazia o coração dela tropeçar num compasso perigoso.

Quilômetros se passaram, e o silêncio entre nós transformou-se em algo vivo, pulsante. Até que não aguentei mais.

– Já estamos longe o suficiente da minha casa. – Minha voz veio carregada de veneno doce. – Vai me dizer agora qual vai ser minha punição? Jejum forçado? Um treino exaustivo até meus ossos quebrarem? Ou... vai me trancar em algum porão escuro até eu chorar e pedir desculpas por invadir seu território?

Lucien franziu o cenho, lentamente. Como se a pergunta dela fosse uma lâmina que atravessava sua pele, mas que ele se recusava a sangrar.

– Que tipo de monstro você pensa que eu sou? – A voz dele era baixa, rouca. Quase... íntima.

– O tipo que os outros temem. O Alfa implacável, o juiz silencioso. Você é o Alfa Lucien. Ninguém ousa errar na sua presença.

Ele ainda não a olhou, mas sua mão apertou o volante com mais força.

– Você não é como os outros. – Ele disse rápido e firme.

– Não sou? Você mal me dirige a palavra. – Bufei, com incredulidade.

– Eu confio em você... – a frase veio como um sussurro grave que se alojou sob minha pele. – Mais do que confio em mim.

Eu o encarei, desconfiada, mas algo em minha espinha arrepiou.

– Por quê? – Indaguei.

– Porque eu te conheço. Melhor do que você se conhece.

Eu tentei rebater, mas Lucien continuou:

– E porque quero algo de você. – Ele finalmente virou o rosto em sua direção. - Meu aniversário está chegando... considere como... meu presente de aniversário.

– O que você quer? – Eu o encarei.

Lucien deu um pequeno sorriso, quase imperceptível.

– Você.

O mundo parou.

Engasguei, tossindo tão forte que precisei do apoio do painel. Em segundos, Lucien encostou o carro, abriu o porta-luvas e entregou-me uma garrafa d'água. O toque dos nossos dedos foi breve, mas carregado de eletricidade.

Eu bebi, tentando não encará-lo.

– O que você quer dizer com isso? – Falei, perplexa.

Ele inclinou-se levemente, um braço solto no volante, o corpo relaxado – mas seus olhos... seus olhos estavam em chamas.

– Eu disse que quero você. Não da forma que você está pensando. – Pausou. – Ainda não.

O rubor subiu pelo meu rosto como fogo.

– Continue. – Sussurrei.

– Há algo errado no meu território. Mulheres desaparecendo nas divisas do meu território. Suspeito que alguém, talvez um ancião do meu clã, esteja envolvido. Preciso investigar... mas sem levantar suspeitas. – O olhar dele era uma lâmina. – Quero que você fique no meu clã. Como minha companheira. Oficialmente. Como minha futura Luna.

Eu soltei uma risada incrédula.

– Você só pode estar brincando. – Passei a mão nos meus cabelos enquanto tentava digerir esse absurdo.

– Não parece plausível? – Ele me observava como se estudasse minhas reações, e continuou: – Uma aliança entre clãs. Anos de proximidade. Você é... inesquecível. Eu sou... tolerável.

– Há uma diferença de idade. Minha mãe te detesta. E você me viu crescer! – Falei enquanto tentava trazê-lo de volta à razão.

– Você tem 21. Eu tenho 33. Sua mãe me detesta porque enxerga meu poder. E quanto ao seu passado... – Ele se inclinou mais, eu pude sentir o calor da respiração dele em seu rosto. – O que eu vejo agora não tem nada de infantil. Nem de inocente.

Eu estremeci. Mas não recuei.

– E qual o preço dessa mentira? Nenhum homem ou lobisomem vai querer casar comigo sabendo que é meu ex. – Falei, sem demonstrar muitas emoções.

Lucien se aproximou mais. O espaço entre nós se desfez como neblina ao sol.

– Ninguém vai se aproximar de você. – A voz dele era um toque quente na pele. - Mas se isso for um problema... eu me casarei com você.

Meu coração bateu uma, duas vezes... e depois se perdeu no peito.

– Você podia escolher qualquer outra. Por que eu?

Lucien olhou fundo dos meus olhos, e o mundo desapareceu ao redor.

– Porque só você vê através da minha máscara. Só você me encara sem medo. Você é uma guerreira treinada, melhor que muitas que conheço. E porque, mesmo sem querer, você e eu sempre teremos uma ligação.

Ele voltou ao volante, ligou o carro.

– Ah... e quando chegarmos à minha casa, tire a lente. Não suporto a ideia de que minha mulher se esconda de mim.

O silêncio que se seguiu não era vazio. Era denso. Carregado. Como o prelúdio de algo que ambos fingiam não querer, mas que já havia começado.

A mansão de Lucien surgiu no horizonte como uma fortaleza entalhada nas sombras da noite - imponente, silenciosa, cercada por árvores altas como sentinelas. A arquitetura mesclava pedra e vidro, força e transparência. Um reflexo do próprio Alfa.

O carro desacelerou diante dos portões de ferro forjado. Assim que cruzaram o pátio iluminado por luzes âmbar, eu senti meu estômago contrair-se. Aquilo não era apenas a casa de Lucien - era o trono do clã Sangue de Prata. E, por ora, meu novo lar.

Lucien desligou o motor e saiu primeiro. Contornou o carro com passos lentos e firmes, abrindo a minha porta como um cavalheiro – ou como alguém marcando território.

Desci sem agradecimentos. O olhar dele pousou sobre mim, quente e firme.

– Bem-vinda ao meu território – disse em tom grave. – Aqui, você está segura.

Ergui o meu queixo, e com os olhos afiados.

– Isso depende de quem está à solta por aqui.

O canto da boca de Lucien se curvou, lento. Ele parecia gostar da resistência.

Entramos juntos no saguão, onde o rústico e o sofisticado coexistiam. Tapetes de pele legítima, lareiras crepitando, paredes adornadas com espadas cerimoniais, livros antigos, e retratos em preto e branco de Alfas de eras passadas. Tudo exalava poder masculino – e âmbar, couro e algo perigosamente selvagem.

– Vou te mostrar seu quarto. – Disse ele, já subindo os degraus sem olhar para trás.

Eu o seguiu. O som dos passos ecoava no corredor amplo, abafado apenas pelas batidas aceleradas do meu próprio coração. Lucien parou diante de uma porta dupla, empurrou-a com uma mão e revelou um quarto espaçoso, com cama de dossel, cortinas de linho leve e uma varanda voltada para a floresta.

– Este é seu espaço enquanto estiver aqui.

– Este não é quarto de hóspedes. Você quer mesmo que eu durma no seu quarto? - Ergui uma sobrancelha, carregada de ironia.

– Como você sabe que este não é o quarto de hóspedes? Indagou, um sorriso malicioso surgiu em seus lábios.

– Tem seu cheiro. – Revisei os olhos.

Ele virou-se devagar, o rosto banhado pela luz suave do abajur.

– Você é minha "namorada", lembra? Vão se perguntar por que não dorme comigo. – Ele se aproximou, lento. – E mesmo que não durmamos... vai parecer que sim.

Eu pisquei lentamente. O calor subiu pelo meu rosto.

– Então... é tudo teatro?

Lucien inclinou levemente a cabeça, os olhos fixos nos lábios dela.

- Por enquanto.

O ar entre nós ficou denso, pesado de algo não dito. Eu recuei um passo, mas ele nem se mexeu. Era como encarar uma tempestade prestes a explodir.

– Está com medo, Alina?

Respirei fundo, firme.

– De você? Nem um pouco.

– Que sorte a sua. – Murmurou ele, com um sorriso quase preguiçoso. - Eu mordo... mas só quando pedem.

Soltei uma risada breve e nervosa, desviando-se em direção ao espelho no banheiro. Ali, higienizei minhas mãos e retirei as lentes de contato escura, revelando a verdadeira coloração dos meus olhos. Quando voltava para o quarto, ele ainda estava à porta – como se fosse a porta.

O olhar dele escureceu, ficando mais quente.

– Você devia se mostrar assim mais vezes. É quase... perigosa. – Falava com uma voz rouca.

Ela não desviou.

– E você devia aprender a calar a boca antes que alguém a costure.

Lucien riu, baixo, rouco. Fechou a porta com um estalo suave enquanto entrava no quarto, deitando-se no sofá que fica a poucos metros da cama.

– Boa noite, Alina. Amanhã cedo teremos visitas. Quero você ao meu lado. Vista algo que diga: "sou intocável, mas vale a tentativa".

Eu cruzei os braços, desafiando.

– Isso é uma ordem, Alfa?

O sorriso dele foi lento. Um predador saboreando a presa – ou o jogo.

– É um pedido.

Ele fechou os olhos, com braços cruzados, e dormiu.

Sentei na cama, ainda vestida, os olhos presos ao teto. Meu corpo tremia. Não de medo. Mas de uma energia inquieta.

Estou em território desconhecido, sob o teto de um Alfa. Fingindo ser a mulher dele. E, pela primeira vez... questionei se o jogo se viraria contra mim.

            
            

COPYRIGHT(©) 2022