/0/14806/coverbig.jpg?v=7a9897e92d967b76b93314aeb6190a1a)
O sol do sábado invadia a sala ampla da casa de Noah, projetando feixes dourados sobre os instrumentos espalhados pelo chão. No centro, o sofá empurrado para o canto abria espaço para amplificadores, pedestais, guitarras e um velho tapete onde os cabos se emaranhavam como raízes de uma árvore antiga.
Luna chegou com Maya, ambas com mochilas penduradas nos ombros e sorrisos empolgados.
- Isso aqui parece um estúdio de verdade - disse Maya, girando sobre si mesma. - Um dia a gente vai lembrar dessas bagunças com saudade.
Noah apareceu na porta com duas garrafas de refrigerante e um sorriso um pouco mais tímido ao ver Luna.
- Que bom que vieram cedo. Precisamos montar o setlist do festival.
- Tamo dentro - respondeu Luna, pegando uma das garrafas e se sentando ao lado da bateria.
Pouco depois, Ravi chegou, desta vez sem mochila, mas com o mesmo olhar curioso. Trazia seu baixo pendurado no ombro e um brilho nos olhos que misturava entusiasmo e... distração.
- Luna, Maya, Noah... - cumprimentou com um gesto de cabeça. - E aí? Prontos?
- Prontos - respondeu Luna, embora seu olhar se fixasse por um breve instante no vazio - como se tentasse evitar pensar no que sabia que vinha a seguir.
E, como previsto, a campainha tocou.
Olivia entrou como quem já se sentia dona do ambiente, seguida de perto por Livia, que vestia um short curto demais para um ensaio e um olhar de quem sabia que atraía atenção.
- E aí, grupo - disse Olivia, puxando Noah pela mão. - Que aconchegante aqui...
Luna desviou o olhar, tentando se concentrar no afinador do microfone. Mas bastou um segundo para ver Livia se sentando ao lado de Ravi, tão próxima que os joelhos quase se tocavam.
- E aí, baixista... já decorou meu nome? - provocou ela, mordendo o canudo do copo que trazia.
Ravi riu, sem perceber o desconforto que se espalhava pelo ar.
O ensaio começou.
Primeira música: Horizonte Azul. Luna fechou os olhos, tentando se concentrar na letra. A voz de Maya harmonizava perfeitamente com a dela, e Noah, apesar de visivelmente distraído com Olivia em seu colo, mantinha os dedos firmes nas cordas.
Mas o som estava diferente. Algo não encaixava. Não na música, mas entre eles.
Na segunda música, Silêncio em Mim, Ravi improvisou um solo no final que fez todos se entreolharem.
- Isso foi... incrível - disse Luna, tentando esconder o brilho nos olhos.
- Valeu - ele respondeu, com um meio sorriso, mas logo foi interrompido por Livia, que passou os braços ao redor dos ombros dele.
- Ele é um gênio, eu falei!
Luna sentiu um incômodo estranho no peito. Ciúme? Desconfiança? Nem ela sabia ao certo. Mas uma coisa era clara: havia algo em Ravi que mexia com ela. E Livia estava começando a perceber isso.
- Vamos fazer uma pausa? - sugeriu Noah, largando a guitarra e se levantando. - Tem pizza na cozinha.
Enquanto todos se dirigiam ao corredor, Luna permaneceu sentada, olhando para o microfone em suas mãos.
Ravi notou.
- Tá tudo bem?
Ela hesitou, mas sorriu.
- Tá sim. Só pensando... em como às vezes o silêncio diz mais que uma letra inteira.
Ravi a olhou por um momento mais longo do que o necessário. E então, com a voz baixa, respondeu:
- Talvez a gente só precise aprender a ouvir.
E naquele instante, entre vozes abafadas na cozinha e acordes ecoando na memória, Luna soube: a música estava apenas começando - mas o coração dela... já estava tentando acompanhar o ritmo.
- Tá decidido - disse Noah, limpando as mãos na calça depois de pegar mais um pedaço de pizza. - Eu não dou conta de cantar, tocar guitarra e bateria. Alguma hora alguém vai sair surdo com minha falta de coordenação.
Maya riu.
- A gente sempre soube disso, mas ninguém tinha coragem de dizer.
- Ei! - fingiu ofensa, Noah. - É sério. A gente precisa de um baterista de verdade. Vamos abrir a vaga segunda-feira, no mural da escola.
- Ou a gente pode fazer um caça-talentos - sugeriu Maya, empolgada. - Tipo... teste ao vivo!
- Adorei - disse Luna, já imaginando a movimentação nos corredores do Notas Vivas.
Olivia, que até então estava distraída no celular, resmungou:
- Mais um pra encher o saco...
- Ou pra tirar o foco - completou Livia, lançando um olhar sugestivo a Ravi, que fingiu não ouvir.
---
Segunda-feira – Colégio Notas Vivas
O anúncio da vaga para baterista se espalhou rápido. Na hora do intervalo, um grupo já se amontoava em volta do mural da banda The Loyal, enquanto os rumores corriam pelos corredores.
Foi quando ele surgiu.
- Dá licencinha, que o talento chegou! - gritou um menino de cabelo bagunçado, óculos pendendo na ponta do nariz e um par de baquetas espetadas no bolso da calça jeans rasgada.
Luke entrou como se fosse uma estrela do rock esquecida nos anos 2000. Usava uma camiseta com um pato tocando guitarra e chinelos coloridos que faziam barulho a cada passo.
- E aí, pessoal do som! Vim salvar a alma rítmica de vocês - disse, jogando uma das baquetas pro alto e quase acertando um professor.
- Você toca bateria? - perguntou Noah, tentando esconder a surpresa.
- Toco, toco teclado, toco campainha, toco terror, toco tudo que faz barulho, parceiro - respondeu com um sorriso debochado.
Luna caiu na gargalhada. Maya bateu palmas.
- Esse eu já gostei.
Olivia, por outro lado, torceu o nariz.
- Ah não... isso aqui virou circo agora?
Luke parou, ajeitou os óculos e imitou a voz de Olivia de forma teatral:
- "Ai não, isso aqui virou circo agora?" - e fez uma reverência. - Desculpa, você é a recepcionista do tédio ou a rainha do recalque?
Os colegas explodiram em risadas. Até Ravi riu baixo, e até Livia se surpreendeu.
- Tá bom... ele é insuportável, mas engraçado - murmurou ela.
Luke se virou para Livia e emendou:
- E você, a cópia mal feita da outra? Vocês vêm em pacote de promoção? Uma reclama e a outra ecoa?
- O QUÊ? - gritaram as duas ao mesmo tempo, irritadas.
Luke piscou para Luna.
- Essas duas são o remix da TPM com o drama, né?
Luna precisou se apoiar na parede de tanto rir.
Noah deu um passo à frente, cruzando os braços com um meio sorriso.
- Ok, Luke. Você fez a galera rir, mas sabe mesmo tocar?
Luke ergueu as baquetas.
- Me dá cinco minutos, uma bateria e talvez um copo d'água... e eu faço vocês repensarem a vida.
- Amanhã, no intervalo, na sala de música. Traz as baquetas - disse Noah.
- E o talento, não esquece - completou Luna, ainda sorrindo.
Luke bateu continência de forma desajeitada e saiu marchando pelo corredor, imitando o som de uma bateria com a boca.
Noah virou para Luna, meio rindo, meio sério.
- Esse cara é maluco.
- É... mas às vezes é disso que a gente precisa pra equilibrar o caos.
E sem que ninguém percebesse, os primeiros laços entre eles começaram a se formar. Laços feitos de música, risos, provocações... e de algo que, aos poucos, se tornaria muito mais forte.
Na manhã seguinte, a sala de música do Notas Vivas estava cheia. A notícia do "candidato maluco" que ia fazer teste para The Loyal tinha se espalhado, e até professores apareceram para espiar pela porta entreaberta.
Noah estava encostado na parede, braços cruzados, guitarra nas costas. Luna e Maya organizavam os microfones, enquanto Ravi ajustava os pedais do baixo. Olivia e Livia, contrariadas, estavam no fundo da sala - só esperando Luke fazer papel de bobo.
E então ele chegou.
Luke entrou dançando, com um fone pendurado no pescoço e as inseparáveis baquetas girando entre os dedos.
- Bom dia, meus queridos desafinados emocionais. Preparados pra sentir o chão tremer?
- A gente espera que não seja de vergonha - provocou Olivia, revirando os olhos.
Luke piscou e imitou o tom dela:
- "A gente espera que não seja de vergonha" - e depois encarou a bateria como se fosse um trono.
Sentou-se no banco, estalou os dedos, ajustou o banco e girou os ombros como se estivesse prestes a entrar em uma arena. Quando bateu as baquetas uma na outra, o silêncio tomou conta da sala.
- Vamos nessa - disse Noah.
A música escolhida foi A Linha do Horizonte, uma das mais difíceis do repertório, com viradas rápidas e mudanças de ritmo inesperadas. Luke respirou fundo e... começou.
Em segundos, as piadas sumiram.
O som era firme, preciso. Luke não apenas acompanhava - ele conduzia. As viradas de baqueta vinham no tempo certo, e ainda assim ele mantinha o sorriso no rosto, fazendo caretas engraçadas enquanto tocava, como se estivesse se divertindo num parque de diversões.
Quando a música terminou, houve um segundo de silêncio... seguido por aplausos e assobios dos colegas que assistiam pela janela.
Luna estava boquiaberta. Maya piscava incrédula.
- Ok... isso foi incrível - disse Noah, com um sorriso surpreso. - De onde você saiu?
- De um universo paralelo onde bateria é religião e sarcasmo é idioma oficial - respondeu Luke, se levantando com um gesto dramático.
Ravi bateu no ombro dele.
- Você mandou muito bem, cara.
Até Livia, contrariada, murmurou:
- Ele é irritante... mas tem talento.
Olivia apenas cruzou os braços, emburrada.
Luke se virou para ela com um sorriso travesso:
- Relaxa, princesa do mimimi. Eu vim pra tocar, não pra roubar o trono.
Luna não se aguentou e caiu na gargalhada mais uma vez. Quando conseguiu recuperar o fôlego, olhou para Noah.
- Então... ele entrou?
Noah fez que sim, sem hesitar.
- Bem-vindo à banda, Luke. Agora The Loyal tá completa.
Luke girou as baquetas e fez uma reverência desajeitada.
- É uma honra ser o caos rítmico de vocês. Vamos fazer barulho, galera!
E ali, no meio de risos, olhares trocados e promessas musicais, a nova formação da banda foi selada. Eles ainda não sabiam, mas aquele seria o início de uma jornada que mudaria a vida de todos - nota por nota, acorde por acorde.