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Os dias que se seguiram ao ensaio foram intensos. A música escrita por Luna, agora com o título provisório "Silêncio Entre Nós", passou a ser o foco dos ensaios da banda The Loyal. Luna, com um nó no peito, havia tomado uma decisão difícil: ceder o vocal principal da música para Maya.
- Sua voz... encaixa melhor - disse ela, forçando um sorriso.
Maya não questionou. Ela conhecia Luna o suficiente para entender quando algo era mais profundo do que parecia. E por respeito, aceitou a música como um presente silencioso - mas sabia que aquela letra guardava mais do que simples versos.
Noah, por sua vez, não parava de pensar na letra. Sempre que a ouvia, era como se algo dentro dele vibrasse. Reconhecia cada palavra, cada silêncio implícito. Como se, de alguma forma, aquilo fosse sobre ele.
"Será que é mesmo?", se perguntava em silêncio.
No ensaio de quarta-feira, a banda tocou a música do início ao fim. Luke acrescentou batidas suaves e precisas, enquanto Ravi e Noah encontravam uma base firme no baixo e guitarra. E quando Maya começou a cantar, o ambiente parecia suspenso.
"Você me vê tão de perto
Mas nunca sou o bastante
Enquanto finjo sorrir
Você passa... e parte"
Quando terminou, um silêncio respeitoso tomou conta da garagem. Até Olivia, que estava de canto com os braços cruzados, fez uma expressão de surpresa.
- Essa música é... diferente. - comentou, estreitando os olhos. - Parece que tem sentimento escondido aí.
Luna gelou, mas manteve a postura.
- Só uma letra como outra qualquer.
Olivia ergueu uma sobrancelha. Ela podia ser muitas coisas, mas burra não era. Ainda assim, preferiu não insistir.
"Devo estar viajando...", pensou, mas a pulga ficou atrás da orelha.
Enquanto isso, Livia observava Ravi com atenção crescente. Desde que entrara na banda, ele chamava sua atenção - e, agora, parecia mais acessível do que nunca. Com seu jeitão quieto e sorriso tímido, Ravi era o oposto dos garotos barulhentos com quem ela costumava sair.
Na quinta-feira, depois das aulas no Notas Vivas, Livia se aproximou dele no pátio.
- Ei... vai fazer alguma coisa hoje depois do ensaio?
- Acho que não. Por quê?
- Me deve um sorvete por ter ignorado minhas mensagens semana passada.
Ravi riu.
- Eu não ignorei, só não vi.
- Claro... - ela respondeu, mordendo o lábio, divertida. - Então me compensa hoje?
Ele hesitou por um instante, depois assentiu.
- Tá bom. Um sorvete. Só isso.
- Por enquanto - respondeu ela, saindo de fininho com um sorriso vitorioso.
Enquanto isso, Luna e Noah organizavam os papéis do novo repertório na sala de ensaio.
- A música ficou perfeita com a Maya - disse ele, tentando soar neutro.
Luna assentiu, mas não conseguiu encará-lo.
- Era isso que eu queria.
- Mas ela é sua - continuou Noah. - E eu sei que tem mais nela do que você deixa transparecer.
Luna mordeu o canto do lábio. Por um segundo, pensou em dizer. Em abrir tudo. Mas algo a impediu.
- Talvez seja só coisa da sua cabeça.
Ele sorriu de lado, um pouco triste.
- Talvez.
Mas ambos sabiam que não era.
O céu começava a escurecer quando Ravi e Livia saíram juntos do colégio. Ele, com sua mochila jogada de lado e olhar tranquilo. Ela, com os cabelos perfeitamente arrumados, salto leve e sorriso afiado.
- Tem uma sorveteria nova ali na esquina, dizem que o milkshake de morango é o melhor da cidade - disse Livia, animada, puxando o braço dele com familiaridade.
Ravi assentiu, observando como ela dominava o ambiente por onde passava. Sentia-se quase deslocado ao lado dela, como se pertencessem a mundos diferentes. Ainda assim, havia algo curioso em Livia - talvez a coragem escancarada, a intensidade.
Sentaram-se em uma mesa externa, e ela foi rápida em puxar conversa.
- Você é sempre tão calado assim ou só comigo?
- Depende. Às vezes prefiro observar.
- Hm... profundo. - Ela riu. - Mas sabe que isso pode ser perigoso? Gente que observa demais acaba descobrindo o que não devia.
Ravi deu um pequeno sorriso.
- E você, o que procura?
- Distração. Emoção. Alguém que não seja mais do mesmo.
- E acha que eu sou isso?
- Ainda não decidi - disse ela, provocante, mexendo no canudo do milkshake. - Mas tô gostando do teste.
Ravi desviou o olhar, tentando não se deixar levar. Era bonito, sair da rotina. Mas algo nele dizia que havia mais nas entrelinhas com Livia do que ela deixava ver.
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Naquela mesma hora, Luna estava no quarto, sentada em frente ao espelho. O caderno de composições fechado no colo. Ela encarava o próprio reflexo com uma expressão perdida. Por que aquela música estava doendo tanto agora? Por que, mesmo com a voz de Maya tornando-a ainda mais linda, sentia como se tivesse entregado um pedaço do coração para todos verem?
E, pior, por que Noah tinha olhado para ela daquela forma?
Ela balançou a cabeça, tentando espantar os pensamentos.
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Do outro lado da cidade, Olivia batia na porta da casa de Noah com seu sorriso mais ensaiado.
- Vim te devolver o cabo que o Luke quase comeu no ensaio - disse, rindo.
Noah riu, abrindo espaço para que ela entrasse.
- Entra aí. Tô revendo os arranjos da nova música.
- Aquela que a Luna escreveu?
- É.
Olivia se aproximou do violão sobre a cama, olhando de relance para o caderno aberto com rabiscos de notas e acordes.
- Bonita, né? Bem... emocional.
- Bastante.
- Você acha que ela escreveu pra alguém?
Noah hesitou. Olivia reparou.
- Você acha que foi pra você?
- Não sei - ele respondeu baixo. - Mas tem algo naquela música que me faz... sentir.
Olivia observou Noah por um instante. Depois se aproximou um pouco mais, com suavidade.
- Você sabe que a gente se dá bem, né?
Ele olhou para ela, confuso com a mudança no tom.
- Sim... somos amigos.
- Talvez a gente possa ser mais.
Antes que ele respondesse, o celular de Noah vibrou com uma mensagem de Ravi: "Sobrevivi ao passeio com a Livia. Depois conto. Boa sorte com a tempestade aí."
Noah suspirou e deu um sorrisinho.
Olivia percebeu que aquele olhar distraído não era pra ela.
E isso a incomodou mais do que deveria.
Depois da tentativa sutil - mas nada inocente - de Olivia em se aproximar mais de Noah, o clima no quarto ficou desconfortavelmente denso. Ele, sem saber como reagir, fingiu que não entendeu. E ela, percebendo que havia se adiantado, deu um passo atrás com um sorriso forçado.
- Bom, vou indo. A gente se vê no ensaio amanhã.
- Claro... até amanhã.
Quando a porta se fechou atrás dela, Noah soltou um longo suspiro e caiu sentado na beirada da cama. Pegou o celular e respondeu Ravi:
"A tempestade passou. Mas acho que outra está se formando."
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Na manhã seguinte, Ravi encontrou Noah no corredor da escola, os dois ainda meio sonolentos, mas com os fones pendurados no pescoço e as mochilas nas costas.
- E aí, sobrevivente - brincou Noah.
- Nem me fale. Livia é... intensa. Sabe aquele tipo de pessoa que faz tudo parecer um jogo?
- E você gosta disso?
Ravi pensou um segundo.
- Gosto da parte divertida. Mas não sei se tem algo real ali. Ela parece estar sempre atuando.
- É. A irmã dela também.
Os dois riram, mas havia um certo incômodo no tom. As peças começavam a se mover de um jeito esquisito demais para ser só coincidência.
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Na sala de música, Maya sentou ao lado de Luna, que estava calada, rabiscando algo no caderno. Ela lançou um olhar curioso e carinhoso.
- Tá escrevendo outra música escondida?
Luna sorriu de lado.
- Talvez.
Maya apoiou o queixo na mão, observando a amiga.
- Você devia cantar essa última. Foi a música mais verdadeira que já ouvi.
- Justamente por isso.
- Você ainda gosta dele, não é?
Luna parou de escrever.
- Eu nunca disse isso.
- Mas nunca precisou.
Maya pegou delicadamente a caneta da mão dela.
- Eu tô com você, Luna. Mas se você não disser o que sente... alguém vai dizer por você. E talvez seja tarde demais.
Luna engoliu em seco, desviando o olhar para a janela. Lá fora, Noah conversava com Ravi e Luke, rindo de alguma piada boba. E Olivia estava se aproximando, jogando os cabelos para trás com a habitual pose ensaiada.
O coração de Luna apertou. Maya percebeu.
- Se você quer lutar por ele, é agora.
Luna fechou o caderno devagar, como se soubesse que aquele momento de silêncio entre ela e seus sentimentos estava prestes a acabar.