Capítulo 2 O lobo sem matilha

Rurik acordou com sangue na boca.

De novo.

Sentado no chão da caverna, nu e coberto de terra, ele cuspiu o gosto metálico e encarou o vazio. O ar ali dentro era pesado, saturado de cheiro animal - dele, da fera, das noites em que perdia o controle e caçava sem lembrar. O corpo coberto de arranhões que não sabia de onde vieram. O peito arfando como se tivesse fugido de algo que ainda o seguia.

Mas o pior era o cheiro.

Ela.

Doce. Selvagem. Intoxicante.

E impossível.

Não fazia sentido. Não conhecia aquele aroma. Não conhecia aquela mulher. Mas seu corpo reagia como se pertencesse a ela. Como se tivesse sido feito para ser possuído por ela. E isso o enfurecia.

- Maldição... - rosnou, socando a parede da caverna com força suficiente para trincar a rocha.

As veias do braço saltaram. O lobo por baixo da pele respondeu ao chamado com prazer doentio. Ele o sentia ali, sempre à espreita. Mas agora, a coisa dentro dele estava inquieta. Ansiosa.

Não por sangue.

Por carne. Por toque.

Por ela.

Ele se levantou, caminhando até o limite da entrada. A noite ainda se estendia lá fora, cheia de sussurros e promessas quebradas. O vento trazia o cheiro da floresta. E, entre os galhos, o perfume dela ainda flutuava.

- Isso é uma brincadeira dos deuses? - cuspiu para o escuro.

Silêncio.

Desde que perdera a matilha, Rurik caçava sozinho. Os outros alfas o queriam morto. As fêmeas o evitavam. Ele era uma aberração: um alfa sem laço, sem clã, sem propósito. Só o instinto. Só a fome.

E agora... esse cheiro.

Esse chamado.

Ele fechou os olhos. E a viu.

Não o rosto. Mas a silhueta.

Luz da lua na pele nua.

Tatuagens que queimavam como marcas de posse.

E os olhos verdes como veneno.

Estava sonhando?

Estava perdendo o juízo?

Ou pior: estava sendo caçado.

Abriu os olhos.

O coração batia rápido demais. O lobo dentro dele rosnava baixo, impaciente.

Alguma coisa estava vindo. Ou ele estava sendo puxado para ela.

E isso só podia significar uma coisa.

Companheira.

Mas isso era impossível.

Ele não acreditava nesse tipo de vínculo.

Companheiras eram lendas de clãs decadentes. Histórias para justificar a obsessão de machos frágeis.

Não ele.

Não Rurik.

Mas o corpo dizia outra coisa.

E a fera também.

O vento mudou.

Rurik sentiu antes mesmo de ouvir.

Um calor subiu pela espinha como língua invisível. O ar ficou mais denso, mais doce. Algo se infiltrava sob a pele, queimando baixo. Um feitiço.

Ele rosnou.

Os olhos se tornaram âmbar. A pupila, fendida.

A fera queria sair.

- Não.

Mas a palavra foi fraca.

E a pele... marcou.

Um traço vermelho surgiu abaixo da clavícula. Fino, curvo, queimando como metal em brasa. Ele cambaleou para trás, ofegante, encarando o próprio corpo.

- O que é isso?

Não era tatuagem.

Não era ferida.

Era uma marca viva, um símbolo antigo. Parte encantamento, parte instinto.

Parte desejo.

A lenda voltava como murro na cara.

"Quando o vínculo for real, a carne lembrará antes da mente."

Ele tinha rido daquilo. Tinha quebrado dentes por muito menos. Agora, a maldita profecia ardia na própria pele. E o pior: não sentia raiva.

Sentia fome.

De novo, o cheiro dela. Mais forte.

Não vindo da floresta - vindo de dentro.

Como se ela estivesse sob a pele dele, pressionando os nervos, provocando a besta que dormia nas entranhas.

Ele caiu de joelhos. Os dedos cravaram o chão.

O lobo rugiu, e por um instante, os dois foram um só.

Um uivo baixo escapou por entre os dentes.

Desejo.

Fúria.

Reconhecimento.

- Quem é você...? - sussurrou, ofegante, com a testa colada à terra fria.

A resposta veio como sussurro dentro da cabeça. Uma voz de mulher.

Não disse nome.

Só uma frase.

"Me ache, lobo."

E o feitiço se rompeu.

Rurik arfou, suado, em choque, o corpo inteiro latejando.

Agora sabia.

Alguém o estava chamando.

E ele atenderia.

Não por escolha.

Por instinto.

E quando encontrasse essa mulher, essa bruxa, ele não saberia se queria devorá-la, dominá-la ou se ajoelhar.

            
            

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