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Rurik acordou com sangue na boca.
De novo.
Sentado no chão da caverna, nu e coberto de terra, ele cuspiu o gosto metálico e encarou o vazio. O ar ali dentro era pesado, saturado de cheiro animal - dele, da fera, das noites em que perdia o controle e caçava sem lembrar. O corpo coberto de arranhões que não sabia de onde vieram. O peito arfando como se tivesse fugido de algo que ainda o seguia.
Mas o pior era o cheiro.
Ela.
Doce. Selvagem. Intoxicante.
E impossível.
Não fazia sentido. Não conhecia aquele aroma. Não conhecia aquela mulher. Mas seu corpo reagia como se pertencesse a ela. Como se tivesse sido feito para ser possuído por ela. E isso o enfurecia.
- Maldição... - rosnou, socando a parede da caverna com força suficiente para trincar a rocha.
As veias do braço saltaram. O lobo por baixo da pele respondeu ao chamado com prazer doentio. Ele o sentia ali, sempre à espreita. Mas agora, a coisa dentro dele estava inquieta. Ansiosa.
Não por sangue.
Por carne. Por toque.
Por ela.
Ele se levantou, caminhando até o limite da entrada. A noite ainda se estendia lá fora, cheia de sussurros e promessas quebradas. O vento trazia o cheiro da floresta. E, entre os galhos, o perfume dela ainda flutuava.
- Isso é uma brincadeira dos deuses? - cuspiu para o escuro.
Silêncio.
Desde que perdera a matilha, Rurik caçava sozinho. Os outros alfas o queriam morto. As fêmeas o evitavam. Ele era uma aberração: um alfa sem laço, sem clã, sem propósito. Só o instinto. Só a fome.
E agora... esse cheiro.
Esse chamado.
Ele fechou os olhos. E a viu.
Não o rosto. Mas a silhueta.
Luz da lua na pele nua.
Tatuagens que queimavam como marcas de posse.
E os olhos verdes como veneno.
Estava sonhando?
Estava perdendo o juízo?
Ou pior: estava sendo caçado.
Abriu os olhos.
O coração batia rápido demais. O lobo dentro dele rosnava baixo, impaciente.
Alguma coisa estava vindo. Ou ele estava sendo puxado para ela.
E isso só podia significar uma coisa.
Companheira.
Mas isso era impossível.
Ele não acreditava nesse tipo de vínculo.
Companheiras eram lendas de clãs decadentes. Histórias para justificar a obsessão de machos frágeis.
Não ele.
Não Rurik.
Mas o corpo dizia outra coisa.
E a fera também.
O vento mudou.
Rurik sentiu antes mesmo de ouvir.
Um calor subiu pela espinha como língua invisível. O ar ficou mais denso, mais doce. Algo se infiltrava sob a pele, queimando baixo. Um feitiço.
Ele rosnou.
Os olhos se tornaram âmbar. A pupila, fendida.
A fera queria sair.
- Não.
Mas a palavra foi fraca.
E a pele... marcou.
Um traço vermelho surgiu abaixo da clavícula. Fino, curvo, queimando como metal em brasa. Ele cambaleou para trás, ofegante, encarando o próprio corpo.
- O que é isso?
Não era tatuagem.
Não era ferida.
Era uma marca viva, um símbolo antigo. Parte encantamento, parte instinto.
Parte desejo.
A lenda voltava como murro na cara.
"Quando o vínculo for real, a carne lembrará antes da mente."
Ele tinha rido daquilo. Tinha quebrado dentes por muito menos. Agora, a maldita profecia ardia na própria pele. E o pior: não sentia raiva.
Sentia fome.
De novo, o cheiro dela. Mais forte.
Não vindo da floresta - vindo de dentro.
Como se ela estivesse sob a pele dele, pressionando os nervos, provocando a besta que dormia nas entranhas.
Ele caiu de joelhos. Os dedos cravaram o chão.
O lobo rugiu, e por um instante, os dois foram um só.
Um uivo baixo escapou por entre os dentes.
Desejo.
Fúria.
Reconhecimento.
- Quem é você...? - sussurrou, ofegante, com a testa colada à terra fria.
A resposta veio como sussurro dentro da cabeça. Uma voz de mulher.
Não disse nome.
Só uma frase.
"Me ache, lobo."
E o feitiço se rompeu.
Rurik arfou, suado, em choque, o corpo inteiro latejando.
Agora sabia.
Alguém o estava chamando.
E ele atenderia.
Não por escolha.
Por instinto.
E quando encontrasse essa mulher, essa bruxa, ele não saberia se queria devorá-la, dominá-la ou se ajoelhar.