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Aurora sentia o peso dos olhares assim que entrou no paddock da Orion Racing, mas não desviou os seus por um segundo. Sabia exatamente o que estava fazendo. Os saltos pesados das botas ecoavam sobre o piso de concreto com firmeza, como batidas de guerra. Havia aprendido a andar assim - como quem desafia. Como quem não deve nada a ninguém.
Mas por dentro, seu estômago girava.
Não era a primeira vez que pisava num autódromo. Nem a primeira que cruzava por uma escuderia de elite. Mas era a primeira vez que voltava a ele. E sabia que esse momento viria como uma colisão.
Killian D'Arcy.
Ela nem precisava procurá-lo para sentir sua presença. Estava ali - densa no ar, tensa como eletricidade prestes a explodir. Ele era como uma tempestade que andava sobre duas pernas e usava luvas de corrida. E mesmo depois de todos aqueles anos, seu corpo reconhecia o dele antes mesmo dos olhos confirmarem.
Ela o viu.
Parado ao lado do chefe de estratégia, como uma estátua esculpida em arrogância e fúria contida. Alto, de ombros largos, o macacão meio aberto revelando uma camiseta justa sobre o peito marcado, como se até a roupa temesse prendê-lo demais. Os cabelos negros estavam mais longos que antes, caindo desordenados sobre a testa. Mas foram os olhos que a paralisaram por um segundo. Azuis. Frios. Cortantes. Inesquecíveis.
Eles se cruzaram. Os olhos.
E por um instante que durou muito mais do que ela gostaria, Aurora viu algo ali. Não só surpresa. Mas perturbação.
Killian não estava preparado.
Ela soube disso no mesmo segundo em que ele a reconheceu - e piscou, como se algo dentro dele tivesse sido puxado para fora à força. Como se o ódio antigo não tivesse avisado ao corpo que agora ela era uma mulher. Que a menina de joelhos esfolados e frases afiadas tinha desaparecido, e em seu lugar havia uma mulher que ele, por algum motivo que odiaria admitir, desejava.
Mas como tudo em Killian, o desejo veio disfarçado de veneno.
Ele deu dois passos à frente, o queixo erguido, o maxilar contraído como se quisesse engolir pedras. Era bonito de um jeito cruel. Como uma faca bem feita.
- Isso é algum tipo de piada do Lorenzo? - a voz dele veio baixa, rouca. E cheia de algo mais profundo do que desprezo. - Enfiar você aqui como parte da equipe? A filha da destruição? Bonito. Até pra ele.
Aurora sentiu o golpe, mas não permitiu que ele aparecesse em seu rosto. Nunca deixava. Estava acostumada a receber farpas dele desde os doze anos. Desde que ela pisou naquela maldita casa como a filha da mulher que destruiu a família dele. Como se ela, Aurora, fosse culpada por ter nascido.
- Killian. - Ela sorriu com ironia, os olhos presos nos dele. - Você ainda repete esse mantra? Não cansa?
Ele riu. Um som sem humor, apenas uma descarga ácida.
- Não. E pelo visto você ainda acredita que consegue andar por aqui impune.
Ela se aproximou um pouco mais. Só o bastante para sentir o calor dele irradiando, mesmo enquanto os olhos dele continuavam gélidos como gelo seco.
- Não estou aqui pra ser perdoada, Killian. E com todo o respeito, seus traumas não me interessam.
Ele franziu o cenho, como se cada palavra dela fosse uma lâmina sendo enfiada devagar. Mas o que mais a desconcertava - embora jamais admitisse - era o modo como ele olhava para ela.
Como se a odiasse.
Como se quisesse despí-la.
Como se ambos fossem possíveis ao mesmo tempo.
- Você não tem ideia do quanto eu odeio você - ele rosnou.
Aurora sorriu, inclinando um pouco o corpo para frente, os olhos semicerrados.
- Claro que tenho. Mas sabe o que eu vejo nos seus olhos, Killian?
Ele a encarou, desafiador.
- Medo. De não conseguir continuar odiando. Agora que me viu assim.
O músculo na mandíbula dele saltou. Era sutil, mas Aurora viu. Ele piscou mais devagar. Respirou com mais força. E desviou o olhar - ele desviou - por uma fração de segundo, como se precisasse escapar da imagem dela por dentro da retina.
Aurora sentiu o gosto da vitória - pequeno, amargo, mas verdadeiro.
Killian deu um passo para o lado, o ombro quase encostando no dela ao passar, mas não disse nada. Não mais. Apenas passou, como se o corpo estivesse fugindo dela antes que a boca o traísse.
Ela o observou se afastar. O andar predatório, a tensão nos punhos, a maldita curva do pescoço.
Ele era perigoso. Mais do que antes.
E o pior - ela não estava assustada.
Estava pronta.