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Ela já tinha cumprido seu papel.
Sorrira para os patrocinadores, trocara palavras educadas com o CEO da equipe e respondera perguntas de jornalistas que mal sabiam o nome da peça que ela havia projetado. O vestido começava a colar nas costas, e o salto se tornava uma extensão incômoda dos pés. Mas ainda assim, Aurora permanecia ali, taça na mão, como se fosse parte da mobília requintada do salão de mármore branco.
- Aurora D'Arcy? - A voz veio carregada de charme ensaiado. Um homem de pouco mais de quarenta anos, sorriso fácil e olhos muito atentos, parou à sua frente com uma taça de uísque e um crachá da imprensa pendurado no blazer de linho azul. - Que prazer te ver pessoalmente. Sou Julian Rivas, da Race & Glamour. Acompanho seu trabalho desde que você era apenas a "engenheira rebelde" da equipe júnior.
Ela arqueou uma sobrancelha, sem corresponder ao entusiasmo.
- Engraçado. Nunca vi seu nome em nenhuma matéria que se interessasse por engenharia. Apenas por pilotos sem camisa.
Ele riu, como se ela tivesse contado uma piada espirituosa.
- Tocante esse espírito afiado. - Ele se aproximou um passo a mais do que o necessário. - Mas o público está sedento por uma nova estrela. E você tem um quê misterioso, sabe? Filha da amante. Irmã adotiva do astro da escuderia. Gênio técnico com cara de vocalista de banda punk... - Os olhos dele deslizaram pelo decote do vestido. - Você é uma história ambulante.
Aurora firmou os ombros e tomou um gole da taça. Manteve-se impassível. Mas por dentro, sentia a velha náusea. A que vinha quando alguém lhe reduzia a uma anedota.
- Lamento decepcioná-lo, Julian - ela respondeu, com doçura venenosa. - Mas não estou à venda em manchetes.
Ele sorriu, se inclinando levemente, como se o gesto fosse íntimo. E foi quando ela sentiu.
O ar ao redor mudou. Ganhou peso. Tensão.
Ela não precisou olhar para saber que ele estava ali.
Killian.
Mas olhou. E o encontrou parado a poucos metros, meio de lado, um copo intocado na mão. O terno perfeitamente alinhado contrastava com os olhos. Azuis. Duros. Cravados nela. Ou melhor, no jornalista. Como se cada palavra dita por aquele homem tivesse sido uma agressão direta à existência dele.
Aurora sustentou o olhar por um instante.
Não. Ele não ia interferir. Não tinha por que.
Mas então, Killian deu um passo.
E depois outro.
E antes que ela pudesse processar, ele estava ali - grande demais, perto demais - entre ela e Julian.
- Você está precisando de alguma coisa, Aurora? - a voz dele era baixa, mas cada sílaba soava como um alerta. - O senhor aqui parece muito empenhado em te oferecer... atenção demais.
Julian riu, meio nervoso.
- Eu só estava fazendo meu trabalho. A senhorita tem um potencial midiático absurdo.
- Ela tem talento técnico, não um perfil de Instagram - cortou Killian, sem tirar os olhos dele. - E se você quiser manter sua credencial, vai pensar duas vezes antes de se referir a ela como se fosse um pedaço de carne de luxo.
Julian pigarreou e recuou meio passo. O sorriso escorregando.
- Claro. Eu... com licença.
E foi embora. Simples assim.
Aurora ainda segurava a taça. Não pelo gosto do espumante, mas pela necessidade de se apegar a alguma coisa. Killian virou-se devagar, e a encarou com aqueles olhos que não sabiam - ou não queriam - esconder nada.
- Satisfeito? - ela perguntou, a voz um pouco mais rouca do que queria.
- Nem um pouco.
- Porque você estragou a diversão de um jornalista ou porque está me usando para reafirmar sua moral de conveniência?
Ele se aproximou mais. Só um pouco. Mas o suficiente para que ela sentisse o calor do corpo dele mesmo sem encostar.
- Porque você parece determinada a manchar ainda mais o nome da minha família.
Ela riu. Um som seco, quase debochado.
- Seu pai manchou esse nome muito antes de eu existir, Killian. Eu sou só o lembrete do que ele fez. Não a causa.
Os olhos dele baixaram até a boca dela, depois voltaram lentamente.
- Não brinque comigo, Aurora.
Aquilo não foi um pedido.
Foi um aviso.
Ela engoliu em seco. Mas manteve o olhar firme.
- E se eu estiver brincando?
Ele sorriu. Um sorriso perigoso, sem humor, cheio de espinhos.
- Então vai perder.
E antes que ela pudesse rebater, ele se afastou. Sem uma palavra a mais. Mas ela sentiu o vazio deixado por sua presença como se ele tivesse arrancado o ar ao redor.
Aurora não sabia ao certo o que ele queria.
Mas sabia - com a certeza que só o instinto dá - que ele estava à beira de um limite. E que ela... estava cada vez mais perto de cruzá-lo.