Capítulo 5 Ecos de Um Nome

Ela já tinha cumprido seu papel.

Sorrira para os patrocinadores, trocara palavras educadas com o CEO da equipe e respondera perguntas de jornalistas que mal sabiam o nome da peça que ela havia projetado. O vestido começava a colar nas costas, e o salto se tornava uma extensão incômoda dos pés. Mas ainda assim, Aurora permanecia ali, taça na mão, como se fosse parte da mobília requintada do salão de mármore branco.

- Aurora D'Arcy? - A voz veio carregada de charme ensaiado. Um homem de pouco mais de quarenta anos, sorriso fácil e olhos muito atentos, parou à sua frente com uma taça de uísque e um crachá da imprensa pendurado no blazer de linho azul. - Que prazer te ver pessoalmente. Sou Julian Rivas, da Race & Glamour. Acompanho seu trabalho desde que você era apenas a "engenheira rebelde" da equipe júnior.

Ela arqueou uma sobrancelha, sem corresponder ao entusiasmo.

- Engraçado. Nunca vi seu nome em nenhuma matéria que se interessasse por engenharia. Apenas por pilotos sem camisa.

Ele riu, como se ela tivesse contado uma piada espirituosa.

- Tocante esse espírito afiado. - Ele se aproximou um passo a mais do que o necessário. - Mas o público está sedento por uma nova estrela. E você tem um quê misterioso, sabe? Filha da amante. Irmã adotiva do astro da escuderia. Gênio técnico com cara de vocalista de banda punk... - Os olhos dele deslizaram pelo decote do vestido. - Você é uma história ambulante.

Aurora firmou os ombros e tomou um gole da taça. Manteve-se impassível. Mas por dentro, sentia a velha náusea. A que vinha quando alguém lhe reduzia a uma anedota.

- Lamento decepcioná-lo, Julian - ela respondeu, com doçura venenosa. - Mas não estou à venda em manchetes.

Ele sorriu, se inclinando levemente, como se o gesto fosse íntimo. E foi quando ela sentiu.

O ar ao redor mudou. Ganhou peso. Tensão.

Ela não precisou olhar para saber que ele estava ali.

Killian.

Mas olhou. E o encontrou parado a poucos metros, meio de lado, um copo intocado na mão. O terno perfeitamente alinhado contrastava com os olhos. Azuis. Duros. Cravados nela. Ou melhor, no jornalista. Como se cada palavra dita por aquele homem tivesse sido uma agressão direta à existência dele.

Aurora sustentou o olhar por um instante.

Não. Ele não ia interferir. Não tinha por que.

Mas então, Killian deu um passo.

E depois outro.

E antes que ela pudesse processar, ele estava ali - grande demais, perto demais - entre ela e Julian.

- Você está precisando de alguma coisa, Aurora? - a voz dele era baixa, mas cada sílaba soava como um alerta. - O senhor aqui parece muito empenhado em te oferecer... atenção demais.

Julian riu, meio nervoso.

- Eu só estava fazendo meu trabalho. A senhorita tem um potencial midiático absurdo.

- Ela tem talento técnico, não um perfil de Instagram - cortou Killian, sem tirar os olhos dele. - E se você quiser manter sua credencial, vai pensar duas vezes antes de se referir a ela como se fosse um pedaço de carne de luxo.

Julian pigarreou e recuou meio passo. O sorriso escorregando.

- Claro. Eu... com licença.

E foi embora. Simples assim.

Aurora ainda segurava a taça. Não pelo gosto do espumante, mas pela necessidade de se apegar a alguma coisa. Killian virou-se devagar, e a encarou com aqueles olhos que não sabiam - ou não queriam - esconder nada.

- Satisfeito? - ela perguntou, a voz um pouco mais rouca do que queria.

- Nem um pouco.

- Porque você estragou a diversão de um jornalista ou porque está me usando para reafirmar sua moral de conveniência?

Ele se aproximou mais. Só um pouco. Mas o suficiente para que ela sentisse o calor do corpo dele mesmo sem encostar.

- Porque você parece determinada a manchar ainda mais o nome da minha família.

Ela riu. Um som seco, quase debochado.

- Seu pai manchou esse nome muito antes de eu existir, Killian. Eu sou só o lembrete do que ele fez. Não a causa.

Os olhos dele baixaram até a boca dela, depois voltaram lentamente.

- Não brinque comigo, Aurora.

Aquilo não foi um pedido.

Foi um aviso.

Ela engoliu em seco. Mas manteve o olhar firme.

- E se eu estiver brincando?

Ele sorriu. Um sorriso perigoso, sem humor, cheio de espinhos.

- Então vai perder.

E antes que ela pudesse rebater, ele se afastou. Sem uma palavra a mais. Mas ela sentiu o vazio deixado por sua presença como se ele tivesse arrancado o ar ao redor.

Aurora não sabia ao certo o que ele queria.

Mas sabia - com a certeza que só o instinto dá - que ele estava à beira de um limite. E que ela... estava cada vez mais perto de cruzá-lo.

                         

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