Capítulo 4 Luzes, Câmeras, Farpas

O tapete vermelho era desnecessário.

Pelo menos na visão de Aurora.

Mas nada naquela noite era sobre o que ela achava necessário. O evento da escuderia reunia patrocinadores, pilotos, engenheiros e toda a horda de abutres com câmeras que adorava uma tragédia de bastidores.

E não havia tragédia mais saborosa do que filhos de um mesmo pai - que não se suportavam - forçados a sorrir sob holofotes. Lorenzo era apenas seu padrastro, mas a mídia ignorava isso.

Aurora respirou fundo, sentindo o perfume das flores recém-arranjadas se misturar ao cheiro do champanhe caro. Estava impecável, com um vestido preto de seda que abraçava suas curvas como uma promessa. O batom vinho, a fenda lateral e o salto fino diziam tudo o que ela preferia não verbalizar: que ela era mulher. E estava ali por mérito próprio.

- Aurora! Killian! Aqui, por favor! - gritou um dos fotógrafos, levantando a câmera.

Aurora já estava se virando quando sentiu a presença dele.

Killian D'Arcy.

O terno preto parecia ter sido desenhado diretamente sobre a pele dele. Camisa aberta até o segundo botão, colar prata no pescoço, cabelos negros levemente bagunçados como se tivesse acabado de sair de um carro a trezentos por hora. E os olhos... aqueles malditos olhos azuis que pareciam denunciar o inferno que queimava dentro.

Ele caminhava com um ar de desdém, como se pisar ali fosse um favor, não uma obrigação.

E mesmo assim, as modelos sorriam ao vê-lo, se aproximavam como satélites em torno de um sol sombrio. Uma delas - loira, pernas intermináveis - tocou o braço dele e sussurrou algo ao ouvido. Ele não reagiu. Nem sorriu. Apenas olhou por cima do ombro dela... diretamente para Aurora.

E aí, sim, os olhos dele brilharam.

De um jeito que não tinha nada de gentil.

- Um clique dos irmãos D'Arcy! Que momento especial, não é? - gritou outra repórter, empolgada, forçando os dois a se posicionarem lado a lado.

Aurora manteve a expressão neutra enquanto Killian parava ao seu lado. As câmeras estalavam como tiros. O braço dele roçou de leve no dela, quente e tenso.

Ela virou o rosto na direção dele. Ele nem fingia sorrir.

- Irmãos. - Ele cuspiu a palavra com um meio sorriso cínico. - A mídia adora uma boa ficção, não é?

- Finge, pelo menos - ela sussurrou de volta, entre os dentes, o sorriso intacto para os flashes. - É uma noite de gala, não um ringue.

Ele virou o rosto para ela, os olhos perigosamente baixos.

- O problema, querida Aurora, é que você sempre confundiu palco com lar. Mas eu nunca vou chamar essa palhaçada de família.

Antes que ela pudesse responder, a repórter se intrometeu novamente:

- Killian, como é trabalhar ao lado da sua irmã agora que ela está na linha de frente da engenharia da escuderia?

Ele sorriu para a câmera. Mas Aurora sentiu o sarcasmo escorrer feito veneno da boca dele.

-É... fascinante. Trabalhar com pessoas tão próximas. Sobretudo quando elas são resultado direto das decisões mais estúpidas que um pai pode tomar.

Um murmurinho desconfortável percorreu os presentes. A loira de antes sorriu nervosa e tentou puxar a atenção dele de volta, mas ele nem a olhou. Os olhos continuavam nela.

Aurora.

Era como se as modelos não existissem. Como se o burburinho, as luzes, as entrevistas fossem apenas ruído ao redor da única coisa que realmente o desafiava ali.

Ela.

E aquilo... era inquietante.

Aurora percebeu que a mão dele estava fechada em punho, o maxilar travado. Ela conhecia aquela linguagem corporal. Era ódio. Mas havia algo mais, algo entre as faíscas. Desejo talvez? Inveja? Repulsa misturada com atração? Uma fúria incontrolável por desejá-la quando deveria odiá-la?

Ela não sabia. Não podia saber. Só sentia.

E sentia forte.

- Você está bêbado? - ela perguntou baixinho, quando os flashes diminuíram e o apresentador chamou outro nome ao palco.

- Não. - Ele a olhou como se ela fosse um labirinto. - Mas queria estar.

Ela se afastou devagar, os passos firmes, os ombros erguidos. A fenda do vestido se abrindo a cada movimento. Não precisava virar-se para saber que ele a observava. Sabia. Como se o olhar dele fosse uma pressão na nuca, um toque que não ousava se materializar.

Mais tarde, no bar do evento, ela o viu recusar discretamente outra tentativa da loira - agora com o decote ainda mais indecente - de se sentar em seu colo.

Aurora não sabia o que aquilo significava.

Mas sabia que ela era a única coisa que ele não conseguia ignorar.

E, por alguma razão perversa, isso a deixava viva de um jeito que há muito não se permitia sentir.

            
            

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