"Claro, claro," ela disse, impaciente, já pegando o telefone. "Vou ligar para o meu advogado agora mesmo. Quanto antes resolvermos isso, melhor para a imagem do Victor."
A prioridade dela era sempre Victor.
Ele respirou fundo. "Metade dos bens, Clara. Não abro mão."
Ela parou, o telefone a meio caminho da orelha.
"Metade? João, isso é um absurdo! A maior parte da fortuna veio da minha família, da construtora."
"Construímos uma vida juntos. Tivemos um filho. E eu trabalhei duro também, mesmo que você sempre tenha minimizado minha contribuição." Ele pensou na agência de publicidade do pai, que ela "comprou" para ele, mas que na prática usava para se promover e promover os projetos da construtora.
Clara hesitou. Ela precisava desse divórcio rápido para salvar Victor. Um escândalo prolongado poderia arruinar a imagem dele antes mesmo de sua carreira musical decolar.
"Tudo bem," ela cedeu, a contragosto. "Metade. Mas temos que assinar isso o mais rápido possível. Hoje, se possível."
"Por mim, tudo bem," João Miguel respondeu, a voz neutra.
O advogado de Clara chegou em menos de uma hora com os papéis do acordo de divórcio.
Enquanto lia os termos, João Miguel sentia um vazio gelado onde antes havia amor.
Ele se lembrou do dia do casamento, da alegria, das promessas. Tudo reduzido a cláusulas e assinaturas.
Clara andava de um lado para o outro, ansiosa.
"Vamos, João, assina logo. Não temos o dia todo."
Ele ergueu os olhos para ela. Nenhuma tristeza, nenhum arrependimento no rosto dela. Apenas pressa.
Ele assinou.
"Pronto."
Clara sorriu, aliviada. "Ótimo! Vou levar isso para o cartório amanhã cedo. Em breve, estaremos oficialmente divorciados, e o Victor poderá ficar tranquilo."
Ela pegou os papéis e saiu apressada, provavelmente para ligar para Victor e dar as boas notícias.
João Miguel ficou sozinho na sala. O silêncio era pesado.
Leo entrou correndo, um desenho na mão.
"Papai, olha o que eu fiz!"
Era um desenho deles dois, sorrindo, com um sol enorme no céu.
Ele abraçou o filho com força. "Está lindo, campeão."
"Papai, minha barriga está doendo um pouquinho."
João Miguel franziu a testa. "Desde quando, filho?"
"Desde ontem de noite."
Clara voltou à sala, já falando ao telefone, provavelmente com Victor.
"Sim, querido, tudo resolvido! Ele assinou! ... O quê? Lulu está com febre? Oh, meu Deus! Estou indo para aí agora mesmo!"
Ela desligou e pegou a bolsa.
João Miguel a interceptou. "Clara, o Leo não está se sentindo bem. A barriga dele dói."
Ela o olhou com impaciência. "Ah, João, deve ser só manha. Criança é assim mesmo. Lulu está com febre de verdade, preciso ir. O Victor não sabe o que fazer."
Ela comparava o filho deles, que realmente se queixava, com a filha do amante, e claro, a filha do amante era prioridade.
A desilusão de João Miguel se aprofundou, se é que era possível.
"Ele disse que dói desde ontem."
"Então por que não me disse antes?" ela retrucou, já se virando para sair. "Dê um remédio para ele. Tenho que ir."
E ela se foi, sem nem olhar para Leo.
O menino olhou para o pai, os olhinhos tristes.
"A mamãe não gosta mais de mim?"
João Miguel o abraçou. "Claro que gosta, filho. Ela só está... preocupada com a Lulu." Mas as palavras soaram falsas até para ele.
Mais tarde, Clara ligou, eufórica.
"João, o advogado disse que podemos dar entrada no divórcio no cartório amanhã mesmo! Vai ser super rápido!"
Ela parecia mais animada com o divórcio do que esteve no dia do casamento deles.
A ironia era dolorosa.
"Que bom para você, Clara."
"Sim! E para o Victor também!"
Ele desligou. A dor da separação ainda existia, mas a resolução de não repetir os erros do passado era mais forte.
Ele olhou para o anel de casamento em seu dedo.
No dia seguinte, enquanto Clara estava no cartório, radiante, dando entrada no divórcio, João Miguel foi a uma joalheria.
Vendeu o anel. O valor era irrisório perto do que significara um dia.
Com o dinheiro, comprou passagens de ônibus leito para ele e Leo. Para o interior.
Um novo começo. Longe de tudo. Longe dela.