Clara minimizou a perda da escolinha, como se fosse uma trivialidade.
"Francamente, João, você e o Leo estão sendo mesquinhos por causa de uma simples vaga. Ele pode fazer outras coisas."
A irritação dela com a "resistência" dele era palpável. Na cabeça dela, eles deveriam ceder, sempre.
"Não se trata da vaga, Clara. Se trata do que você fez."
"Eu não fiz nada demais! O Victor precisava, eu ajudei!"
Ela se afastou, batendo a porta do quarto de hóspedes.
João Miguel, exausto, desistiu de argumentar. Não havia mais reconciliação possível.
Sentia-se perturbado, incapaz de descansar. A injustiça o consumia.
Horas depois, o choro agudo de Leo o despertou.
Ele correu para o corredor.
A cena que viu o fez parar, o sangue fervendo.
Clara estava no quarto principal, o antigo quarto deles, agora de Victor.
Ela consolava Lulu, que choramingava no colo de Victor.
Leo estava do lado de fora do quarto, sozinho, chorando, com uma marca vermelha de tapa no rosto.
João Miguel correu até o filho. "Leo! O que aconteceu?"
"Foi ele, papai!" Leo soluçou, apontando para Victor. "Ele bateu em mim!"
Victor, com a maior calma do mundo, disse: "Ele estava tentando pegar os brinquedos da Lulu à força. Eu só o afastei."
"Você bateu no meu filho?" João Miguel rosnou, avançando.
Clara se colocou na frente de Victor.
"João, pare! O Victor só estava protegendo a Lulu! Você precisa educar melhor o seu filho! Ele é agressivo!"
"Agressivo? Olhe o rosto dele, Clara! E você defende esse canalha?"
Leo, entre soluços, conseguiu dizer: "Papai, a Lulu quebrou meu carrinho. O carrinho que o vovô fez pra você."
O carrinho artesanal, herança do avô de João Miguel. Uma das poucas lembranças preciosas que ele tinha.
João Miguel esperou que Clara, ao menos agora, demonstrasse alguma decência, algum pedido de desculpas.
Mas Victor interveio, abraçando Lulu. "Oh, minha pobrezinha, ele te assustou? Não chore, papai está aqui."
Clara fuzilou João Miguel com o olhar. "Viu o que você fez? Assustou a Lulu! Leo, você tem que aprender a dividir seus brinquedos com sua irmãzinha. Não seja egoísta!"
Ela repreendeu Leo por não "dividir" com a "irmã", a mesma que destruíra seu bem mais valioso.
A dor e a raiva de João Miguel atingiram um novo pico.
Clara continuou: "Se vocês não conseguem conviver em paz, é melhor irem embora desta casa! O Victor e a Lulu merecem tranquilidade!"
Ela se retirou para o quarto com Victor e Lulu, fechando a porta na cara deles.
João Miguel sentiu um desespero profundo. Não havia mais o que discutir.
Ele levou Leo de volta para o quarto de hóspedes.
Encontrou o carrinho de madeira em pedaços no chão.
Tentou juntar os cacos, mas um deles cortou seu dedo. O sangue pingou sobre a madeira quebrada.
Lembrou-se de sua falecida mãe.
"Meu filho, essa Clara... e esse amigo dela, o Victor... tome cuidado. Eles não me parecem gente boa."
Ele lamentou sua ingenuidade passada. Como pôde ser tão cego?
Recolheu os pedaços do carrinho, colocou-os numa sacola.
Pegou Leo no colo, que já tinha adormecido de tanto chorar.
Saiu daquela casa. Não passaria mais um minuto ali.
Foi para um hotel barato.
Na manhã seguinte, acordou com batidas na porta.
Era Clara.
"João? O que significa isso? Por que saíram de casa?"
Leo, ao ver a mãe, se escondeu atrás das pernas de João Miguel, com medo.
A imagem do filho com medo da própria mãe causou uma dor lancinante em João Miguel.
"Estamos saindo por vontade própria, Clara. Não se preocupe, não vamos mais 'incomodar' você e sua nova família."