No carro, o silêncio era denso.
Clara sempre favorecia Victor, sempre culpava João Miguel.
Ele se lembrou de como, na vida passada, ela o manipulara para continuar no casamento.
"João, pense no Leo. Ele precisa de uma família unida."
"João, meu pai te adorava. Ele ficaria tão decepcionado se nos separássemos."
"João, eu te amo. São só fases ruins."
E ele, tolo, acreditara. Ou fingira acreditar, pelo bem do filho, pela memória do sogro que realmente gostava dele.
Agora, o arrependimento era amargo.
Leo, percebendo a tristeza do pai, quebrou o silêncio.
"Papai, não fica triste. Eu não ligo muito pra futebol."
Aquelas palavras, ditas com tanta doçura e maturidade para uma criança de cinco anos, atingiram João Miguel.
Ele parou o carro no acostamento e abraçou o filho.
"Oh, campeão..."
Sentiu-se culpado. Por não conseguir proteger o filho da crueldade da própria mãe.
"Eu te amo, papai," Leo disse, a voz abafada contra seu peito. "Você é o melhor pai do mundo."
Aquilo aliviou um pouco a culpa, mas a raiva por Clara e Victor permanecia.
Quando chegaram em casa, a porta estava aberta.
Victor e Lulu já estavam lá, malas no corredor.
Victor sorriu cinicamente. "Olha só quem chegou! Estávamos esperando vocês para mostrar a nova configuração da casa."
João Miguel o ignorou. Ele já tinha aceitado o divórcio, já tinha assinado os papéis. Aquela casa, em breve, não seria mais seu lar.
Clara apareceu, vinda da cozinha.
"Ah, João, que bom que chegou. Ajude o Victor com as malas dele. Decidimos que ele e a Lulu vão se mudar para cá. É melhor para... bem, para todos."
Ela culpava João Miguel pela situação, como se a presença deles ali fosse consequência de alguma falha dele.
"Claro, Clara. O que você quiser," João Miguel respondeu, exausto. Não tinha mais energia para discutir.
A satisfação no rosto dela era evidente.
"Ótimo! Victor, querido, você e a Lulu podem ficar com o nosso quarto, é o maior e tem o melhor banheiro. João, você e o Leo podem usar o quarto de hóspedes por enquanto."
Humilhação. Cansaço. Impotência.
Ele queria sair dali imediatamente, levar Leo para longe. Mas ainda havia burocracias do divórcio, e ele precisava garantir a guarda do filho.
"Tudo bem."
Leo olhou para o pai, confuso. "Papai, por que a gente vai dormir no quarto de hóspedes?"
João Miguel se ajoelhou e olhou nos olhos do filho.
"Porque, campeão, parece que agora somos hóspedes nesta casa."
A verdade amarga. Ele confortou o filho, colocou-o para dormir no pequeno quarto.
Mais tarde, Clara apareceu na porta do quarto de hóspedes.
João Miguel sentiu uma aversão física à presença dela.
"João, eu sei que pode parecer estranho, mas o Victor precisa de apoio agora. E a Lulu também. É uma questão de gratidão ao pai dele, você sabe."
A velha desculpa. Gratidão.
"Sua gratidão exige o meu sofrimento e o do meu filho, Clara?" ele perguntou, a voz baixa e perigosa.
Ela suspirou, irritada.
"Não seja dramático. É só por um tempo."