A Estrela da Manhã Que Renasceu
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Capítulo 3

Nos dias que se seguiram, Sofia tentou manter-se o mais invisível possível, evitando qualquer contacto com a família.

O seu único desejo era que o tempo passasse depressa até ao dia da sua suposta partida para o convento.

Queria paz, queria sair daquela casa sem mais conflitos.

Mas Beatriz parecia determinada a infernizar os seus últimos dias.

Numa tarde, Sofia estava no jardim dos fundos, a regar o pequeno canteiro de madressilvas que teimava em manter, uma ligação ténue e dolorosa ao passado com Diogo.

Beatriz apareceu, sorrateira.

"Ainda agarrada a essas ervas daninhas, Sofia? Tal como te agarras a esperanças mortas."

Sofia ignorou-a, continuando a sua tarefa.

De repente, sentiu um empurrão forte nas costas.

Desequilibrou-se e caiu sobre o canteiro, a mão direita aterrando sobre uma pedra irregular escondida entre as plantas.

Uma dor aguda percorreu-lhe o braço.

Quando retirou a mão, viu o sangue a escorrer de um corte profundo na palma.

A terra misturava-se com o vermelho vivo, uma imagem grotesca.

"Oh, meu Deus, Sofia! És tão desastrada!" A voz de Beatriz era pura falsidade.

Nesse momento, Diogo entrou no jardim, atraído pelos gritos fingidos de Beatriz.

"O que se passa aqui?"

"Diogo, querido!" Beatriz correu para ele, agarrando-lhe o braço. "A Sofia caiu, acho que se magoou. Eu tentei ajudá-la, mas ela é tão teimosa!"

Diogo olhou para Sofia, caída no chão, a mão a sangrar, e depois para Beatriz, a expressão de preocupação no rosto dela.

Sem uma palavra para Sofia, pegou em Beatriz pela cintura.

"Anda, querida, não te preocupes com ela. Ela sabe cuidar de si mesma. Ou causar mais problemas."

O resgate seletivo, o abandono cruel, era mais uma facada no coração já maltratado de Sofia.

Desespero e a sensação de abandono total invadiram-na.

"Ela estava a tentar estragar as madressilvas que eu plantei para ti, Diogo!" acusou Beatriz, a voz a tremer de falsa indignação. "Ela sabe o quanto significam para nós, a nossa história!"

A mentira era tão descarada, tão cruel.

Sofia sentiu a raiva a subir, mas a dor e a perda de sangue começavam a toldar-lhe os sentidos.

Diogo olhou para Sofia com puro desprezo.

"Não me admira, vindo de ti, Sofia. Sempre invejosa, sempre destrutiva. Não consegues ver ninguém feliz, pois não?"

As palavras dele eram como ácido. Dor emocional, desilusão profunda.

Sofia tentou levantar-se, mas as pernas fraquejaram.

O mundo começou a girar. O som das vozes distorcia-se.

A última coisa que viu antes de perder a consciência foi o rosto triunfante de Beatriz e o olhar gelado de Diogo.

Desespero, exaustão, e depois, escuridão.

Acordou com gritos.

Estava no seu quarto, a mão enfaixada de forma rudimentar.

Os pais estavam à sua frente, os rostos vermelhos de fúria.

"Tu não tens emenda, pois não?" gritava o pai. "Atacar a tua irmã! Tentar destruir as coisas dela! És um monstro!"

Medo e desespero apoderaram-se de Sofia, mas algo dentro dela estalou.

A raiva acumulada de uma vida inteira explodiu.

"Eu não ataquei ninguém!" gritou ela, a voz rouca. "Foi ela quem me empurrou! Ela mente! Vocês nunca veem? Ela mente sempre, e vocês acreditam sempre!"

A explosão de verdade pareceu surpreendê-los por um instante.

Mas apenas por um instante.

O pai avançou e deu-lhe uma bofetada forte no rosto.

A dor física misturou-se com o horror da sua crueldade.

"Não te atrevas a falar assim da tua irmã!" sibilou ele. "Ela é um anjo comparada contigo! Tu nasceste para lhe dar problemas, para lhe causar sofrimento!"

A justificação perversa para a sua violência era doentia.

"A tua única utilidade foi o rim que deste. De resto, só tens sido um fardo!"

A mãe assistia a tudo, o rosto uma máscara de fria aprovação.

Nesse momento, a campainha tocou.

O pai recompôs-se rapidamente.

"Deve ser o Diogo. Veio buscar a Beatriz para jantar."

A tensão no quarto era palpável.

Quando a empregada anunciou Diogo, os pais de Sofia transformaram-se.

Sorrisos forçados, palavras amáveis.

"Diogo, querido, entra. A Beatriz já desce."

Beatriz apareceu, radiante, como se nada tivesse acontecido.

Diogo olhou para Sofia, encolhida na cama, o rosto marcado, a mão enfaixada.

Viu a tensão no ar, mas Beatriz agarrou-lhe o braço.

"Vamos, amor. Estou faminta."

O encobrimento rápido, a transferência de culpa implícita para Sofia, era uma arte que aquela família dominava.

Frustração e raiva consumiam Sofia.

Assim que Diogo e Beatriz saíram, o pai virou-se para Sofia, o rosto novamente sombrio.

"Por causa do teu comportamento, vais para o convento amanhã de manhã. Cedo."

A punição cruel e injusta.

"E não vais levar nada além da roupa do corpo. Vais aprender o que é humildade e sofrimento."

O convento na Serra da Estrela, que lhe fora apresentado como um "retiro espiritual", era agora claramente uma prisão, um castigo.

O horror da situação abateu-se sobre ela.

Sofia não resistiu.

O entorpecimento tomara conta dela.

A submissão era a única resposta que conhecia, a única que lhe permitia sobreviver.

Na manhã seguinte, antes do amanhecer, um carro velho, conduzido por um homem taciturno contratado pelo pai, esperava por ela.

Foi levada para a Serra da Estrela, para um convento antigo e isolado, encravado nas montanhas geladas.

O frio cortava-lhe a pele, mas não tanto como o frio no seu coração.

As freiras eram austeras, o ambiente sombrio.

Passava os dias em silêncio, a fazer tarefas pesadas, a comer refeições escassas.

A dor física era uma constante, mas as memórias eram o pior.

Lembrou-se do calor do sol do Douro, do perfume das madressilvas, da voz de Diogo a chamá-la "Estrela da Manhã".

Um contraste brutal com a sua realidade gelada e solitária.

Uma semana depois, a madre superiora chamou-a.

"Os teus pais ligaram. Querem saber se te arrependeste dos teus pecados."

Sofia olhou para a freira, o rosto inexpressivo.

"Diga-lhes que sim," respondeu, a voz vazia. "Arrependi-me profundamente."

A freira pareceu satisfeita.

"Muito bem. A oração e o trabalho purificam a alma."

Sofia voltou para a sua cela fria.

Arrependera-se, sim.

Arrependera-se de ter nascido naquela família. Arrependera-se de ter amado Diogo.

Arrependera-se de não ter fugido mais cedo.

Mas esse arrependimento não era o que os pais esperavam.

Era a semente da sua libertação.

A amarga realização de que estava sozinha, e que só podia contar consigo mesma, era o seu verdadeiro ponto de virada emocional.

O convento não era o seu fim. Seria o seu casulo.

            
            

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