A Estrela da Manhã Que Renasceu
img img A Estrela da Manhã Que Renasceu img Capítulo 4
5
Capítulo 5 img
Capítulo 6 img
Capítulo 7 img
Capítulo 8 img
Capítulo 9 img
Capítulo 10 img
Capítulo 11 img
Capítulo 12 img
Capítulo 13 img
Capítulo 14 img
Capítulo 15 img
Capítulo 16 img
Capítulo 17 img
Capítulo 18 img
Capítulo 19 img
Capítulo 20 img
Capítulo 21 img
Capítulo 22 img
Capítulo 23 img
Capítulo 24 img
img
  /  1
img

Capítulo 4

Duas semanas depois, Sofia recebeu uma pequena caixa com alguns dos seus pertences – os pais, num raro gesto de "generosidade" induzida pela necessidade de manter as aparências perante as freiras, tinham enviado algumas roupas e objetos pessoais.

Ela pegou em cada objeto, cada memória associada.

Fotografias antigas, pequenos presentes que Diogo lhe dera nos tempos da sua amizade inocente, antes de Beatriz se intrometer.

Com uma calma fria, começou a rasgar as fotografias, a partir os pequenos objetos.

Não com raiva, mas com um desapego cirúrgico.

Estava a purificar-se do passado, a descartar as memórias que a prendiam.

Uma dor residual persistia, mas a determinação era mais forte.

Deixou apenas o essencial, roupas simples, alguns livros.

Certo dia, enquanto trabalhava na horta do convento, viu um carro familiar aproximar-se.

Beatriz.

O que faria ela ali?

Beatriz saiu do carro, elegante como sempre, um sorriso trocista nos lábios.

"Então, irmãzinha, a vida monástica assenta-te bem. Pareces mais... resignada."

Sofia continuou a arrancar ervas daninhas, a indiferença a sua armadura.

A irritação era visível no rosto de Beatriz por não conseguir a reação desejada.

"O Diogo sente a tua falta, sabes?" mentiu Beatriz. "Ele pergunta por ti."

Sofia riu-se por dentro. Que mentira descarada.

"Ele está muito preocupado com o teu bem-estar," continuou Beatriz, a voz a pingar sarcasmo.

"Diz ao Diogo para não se preocupar," respondeu Sofia, sem a olhar. "Estou onde mereço estar."

A resposta de Sofia pareceu satisfazer Beatriz.

"Sim, estás. E em breve, eu estarei onde mereço estar. Ao lado do Diogo, como sua esposa."

Beatriz exibiu a mão com o anel de noivado.

"O casamento é daqui a uma semana. Vim pessoalmente trazer-te o convite. A mãe e o pai acham que a tua presença, mesmo que breve, seria... apropriada."

Um convite. Para o seu próprio funeral emocional.

Sofia aceitou o cartão, o papel grosso e elegante a contrastar com as suas mãos sujas de terra.

"Obrigada," disse apenas.

Beatriz esperava mais. Esperava súplicas, lágrimas.

Mas Sofia estava diferente. Havia uma força nela que Beatriz não reconhecia, e isso inquietava-a.

O desprezo de Diogo, reafirmado indiretamente por Beatriz, já não a atingia com a mesma intensidade.

A dor tornara-se uma companheira constante, mas a resignação estava a dar lugar a algo novo.

A semana passou lentamente.

Sofia observava a azáfama dos preparativos para o casamento à distância, através das raras notícias que lhe chegavam.

A quinta dos Almeida, no Douro, seria o palco da celebração.

Lembrou-se de outros tempos naquela quinta, tempos de segredos e ternura.

O contraste com o presente era doloroso.

Isolada no convento, sentia-se ainda mais sozinha, mas também mais determinada.

A melancolia era uma sombra, mas a sua resolução era a luz que a guiava.

No dia do casamento, foi transportada para a quinta como uma prisioneira.

Vestiram-na com um vestido simples, mas elegante, escolhido por Beatriz – mais uma forma de humilhação subtil, para mostrar o contraste entre a noiva radiante e a irmã apagada.

A cerimónia estava prestes a começar.

O jardim estava magnificamente decorado. Convidados ilustres circulavam, conversando e rindo.

Sofia sentia-se como uma espectadora de um filme que já vira demasiadas vezes.

A fofoca social pairava no ar, olhares curiosos e condescendentes na sua direção.

Ela mantinha a cabeça erguida, a expressão neutra.

Ouviu a música começar. Beatriz caminhava pelo corredor de braço dado com o pai, um sorriso triunfante no rosto.

Diogo esperava no altar, impecável no seu fato.

Por um momento, os olhos dele encontraram os de Sofia.

Havia uma estranha intensidade no seu olhar, uma confusão que ela não conseguiu decifrar.

Mas rapidamente se recompôs, virando-se para a noiva.

Os votos foram trocados, as alianças colocadas.

"Pode beijar a noiva."

O beijo foi longo, apaixonado, para gáudio dos convidados.

Injustiça e dor apertaram o coração de Sofia, mas ela não desviou o olhar.

Tinha de ver, tinha de sentir, para se libertar de vez.

Durante a receção, sentada a uma mesa discreta, Sofia observava.

Diogo e Beatriz dançavam, recebiam cumprimentos, brindavam à sua felicidade.

A exibição pública de afeto era quase obscena aos olhos de Sofia.

Mais uma humilhação, mais uma prova do seu lugar inexistente na vida dele.

A certa altura, Beatriz aproximou-se da sua mesa, um sorriso vitorioso nos lábios.

"Então, irmãzinha, não vais dar um presente aos noivos?"

A exigência era uma provocação clara.

Tensão instalou-se entre as duas.

Sofia tirou do bolso uma pequena caixa.

Entregou-a a Beatriz.

"Parabéns, Beatriz. Que sejas muito feliz."

A sua voz era calma, quase indiferente.

Beatriz abriu a caixa com um ar de desdém.

Lá dentro, uma pulseira simples, de prata, com um pequeno pingente em forma de estrela.

Uma pulseira que Diogo lhe oferecera há muitos anos, quando eram apenas amigos, antes de Beatriz se tornar o centro do universo dele.

Sofia guardara-a como um tesouro. Agora, entregava-a.

Um símbolo do passado que ela estava a deixar para trás.

Beatriz olhou para a pulseira, depois para Sofia, confusa.

Não era um presente valioso, nem ostensivo.

Mas Diogo, que se aproximara, reconheceu-a de imediato.

"Esta pulseira..." A sua voz falhou. "Onde a encontraste?"

Ele lembrava-se dela. Lembrava-se de a ter oferecido a alguém, há muito tempo.

Uma sombra de memória, uma sensação de familiaridade.

"É minha," disse Beatriz rapidamente, agarrando a pulseira. "A Sofia guardou-a para mim. Não é querida da parte dela?"

Diogo olhou para Sofia, o olhar intenso, inquisidor.

"Sofia... quem és tu, realmente?"

A pergunta pairou no ar, carregada de uma tensão insuportável.

A iminência de uma revelação, ou de mais uma mentira.

Sofia sustentou o olhar dele, um leve sorriso enigmático nos lábios.

O jogo estava a chegar ao fim.

                         

COPYRIGHT(©) 2022