"É o João Pedro? JP? Aqui é uma amiga da Isabella Albuquerque Menezes. A Isa sofreu um acidente terrível de buggy nas dunas de Genipabu. Ela tá muito mal, precisa de sangue urgente. O tipo dela é raro, O negativo. Me disseram que você tem esse tipo." A voz do outro lado era puro pânico.
O coração de JP gelou. Isa, sua Isa. Em perigo.
"Onde ela está? Qual hospital?"
Ele anotou o endereço, a mão tremendo.
"Mãe, pai, preciso ir pra Natal. A Isa... ela sofreu um acidente."
Seus pais, um pescador e uma rendeira, olharam-no com preocupação, mas sabiam da devoção do filho por aquela moça rica do Recife.
"Vá, meu filho. Que Deus a proteja."
JP pegou o primeiro ônibus, a cabeça um turbilhão de medo e orações. Ele só pensava em chegar, em doar seu sangue, em salvar a mulher que amava. A viagem pareceu uma eternidade.
No hospital particular em Natal, o luxo contrastava com a angústia de JP. Ele perguntou por Isabella Albuquerque Menezes na recepção.
"Ela está no quarto 203, mas as visitas são restritas. O senhor é parente?"
"Eu sou... o namorado. Vim doar sangue. Me ligaram, disseram que era urgente."
A enfermeira o encaminhou para a coleta. Ele estendeu o braço, sentindo a picada, mas a dor física era nada perto do medo que sentia por Isa. Doou o máximo que permitiram.
Depois, insistiu para vê-la. Uma enfermeira mais compreensiva o deixou espiar pela porta entreaberta do quarto.
Isa estava sentada na cama, rindo com duas amigas. Tinha um pequeno arranhão no braço, nada mais. Nenhum sinal de um "acidente terrível".
JP entrou, confuso. "Isa? Você está bem? Me disseram que..."
Isa o olhou, um sorriso frio nos lábios. Suas amigas, as "Patricinhas de Boa Viagem", riram abertamente.
"Ah, JP, que fofo você ter vindo correndo," disse Isa, a voz carregada de zombaria. "Mas não precisava se preocupar tanto. Foi só um sustinho."
"Mas... o sangue? Disseram que era grave."
Uma das amigas, com desdém, apontou para uma pequena lixeira ao lado da cama. "Seu sangue? Ah, acho que já foi pro lixo. Não precisamos, querido. A Isa só ralou o joelho."
JP olhou para a lixeira. Viu os sacos de seu sangue, descartados como lixo. Seu sacrifício, sua preocupação, tudo uma farsa.
O choque o paralisou. A traição o atingiu como um soco.
Isa levantou-se, caminhou até ele, o olhar cruel.
"Sabe, JP, você não devia ter roubado o prêmio do Rico naquele concurso de música. Ele precisava daquela vitória para lançar a carreira dele. Eu tentei usar minha influência, mas você e seu sambinha de morro..."
Rico Tavares, o amigo de infância de Isa, o playboy mimado, estava encostado na parede, com um sorriso presunçoso. Ele era o motivo.
"Então, eu e minhas amigas decidimos te dar uma liçãozinha," continuou Isa. "Essa foi só a primeira de 99 pegadinhas de vingança. Pra você aprender a não se meter onde não é chamado."
As amigas gargalharam, cúmplices.
JP sentiu o chão sumir. Todo o amor que ele sentia, toda a confiança que depositara nela, transformados em pó. Ele era um joguete nas mãos dela, um alvo para sua vingança distorcida. A dor era profunda, uma mistura de raiva, humilhação e a terrível compreensão da manipulação que sofrera.
Ele não conseguia falar. As palavras de Isa ecoavam em sua mente, cada uma delas uma facada.
JP cambaleou para fora do quarto, cego pela dor e pela raiva. O mundo parecia ter perdido a cor. A imagem de Isa rindo, do seu sangue descartado, de Rico sorrindo com superioridade, tudo se misturava numa tortura mental.
Ele andou sem rumo pelas ruas de Natal, depois pegou o ônibus de volta para Olinda. A viagem de volta foi um borrão de lágrimas silenciosas e um vazio no peito.
Ao chegar em casa, seus pais viram seu estado. O olhar perdido, a palidez, a tristeza estampada no rosto.
"Meu filho, o que aconteceu?" perguntou sua mãe, a voz cheia de ternura.
JP desabou. Contou tudo, a voz embargada, as palavras saindo com dificuldade entre soluços. A manipulação, a humilhação, a crueldade de Isa.
Seu pai, um homem de poucas palavras mas de grande sabedoria, colocou a mão em seu ombro. "JP, lembra daquele nosso parente em Aveiro, Portugal? Ele nos ofereceu trabalho lá, uma vida nova. Talvez seja a hora de aceitar. Um lugar para você recomeçar, longe dessa gente."
A oferta era uma tábua de salvação. Sair dali, deixar para trás a dor, a traição. JP olhou para seus pais, o amor e a preocupação em seus olhos.
"Eu... eu aceito," ele conseguiu dizer. Era uma chance de escapar, de tentar curar as feridas que Isa havia aberto em sua alma.