Mas eu já não precisava delas.
Liguei à Beatriz.
A minha melhor amiga, a minha rocha. Ceramista em Caldas da Rainha, com mãos de artista e um coração de ouro.
"Bea, preciso da tua ajuda para uma coisa... mórbida," disse eu, tentando manter a voz leve.
"Isabela? O que se passa? Estás bem?" A preocupação na voz dela era palpável.
"Estou ótima," menti. "Só preciso de comprar um... jazigo."
Silêncio do outro lado da linha.
"Um quê?"
"Um jazigo. No Cemitério da Conchada. Quero um com vista para o rio."
Era a minha única defesa.
"Isabela, estás a assustar-me. O que raio se passa?"
Respirei fundo.
"Tenho leucemia, Bea. Terminal."
O choque na voz dela foi como um murro no meu próprio estômago. Ouvi-a prender a respiração.
"Não... não pode ser. Tu... tu és tão nova."
"Aparentemente, o cancro não escolhe idades," respondi, com uma calma que não sentia. "Podes vir a Coimbra ajudar-me com os preparativos?"
"Claro, claro que vou. Apanho o primeiro comboio."
Beatriz chegou no dia seguinte, os olhos vermelhos e inchados de chorar.
Abraçou-me com força, como se quisesse transferir para mim a sua própria vitalidade.
Fomos ao Cemitério da Conchada.
Escolhi um pequeno jazigo, simples, numa zona tranquila, com a prometida vista para o Mondego.
Paguei com o dinheiro das joias.
Lembrei-me dos sacrifícios financeiros que fizera pela quinta do Tiago.
Vendi um pequeno apartamento que os meus pais me tinham deixado para investir no sonho dele.
Agora, gastava os últimos vestígios do meu património na minha própria sepultura.
"Não devias estar a fazer isto sozinha," disse Beatriz, a voz embargada.
"Mas não estou sozinha. Estou contigo," respondi, apertando-lhe a mão.
O calor da sua preocupação genuína foi um bálsamo fugaz na minha dor.
À noite, a dor atacou com uma violência brutal.
Uma pontada lancinante no abdómen fez-me dobrar ao meio, a gritar.
Queria evitar o hospital a todo o custo, mas o meu corpo traía-me.
Senti as pernas fraquejarem, a visão a escurecer.
Desmaiei.
Quando acordei, estava na cama, a Beatriz a colocar-me uma compressa fria na testa.
"Liguei ao Tiago," disse ela, a voz carregada de raiva. "Ele tem de saber."
Tiago chegou horas depois, a irritação estampada no rosto.
"O que foi desta vez, Isabela? Mais um dos teus dramas?"
Antes que eu pudesse responder, a campainha tocou.
Beatriz abriu a porta.
Carolina.
Entrou com um ar de falsa preocupação, os olhos a varrerem o quarto, a avaliarem a minha fraqueza.
"Oh, querida, soube que não te sentias bem," disse ela, a voz melosa. "O Tiago ficou tão preocupado."
Era tudo o que eu sentia por aquela mulher.
"O que é que tu estás aqui a fazer?" perguntei, a voz fraca mas firme.
"Vim dar apoio ao Tiago, claro. E a ti."
Afirmava a sua posição, a sua intimidade com ele.
"Tiago," comecei, ignorando a presença dela, "precisamos de falar."
Ele cruzou os braços, impaciente. "Sobre o quê? Sobre como estás sempre a arranjar maneira de me prender aqui?"
"Sobre ti e ela," disse eu, apontando para a Carolina.
A discussão aqueceu rapidamente.
"Não há nada entre mim e a Carolina, para além de trabalho!" gritou ele. "Estás a imaginar coisas! És paranoica!"
Senti-me tão pequena, tão insignificante.
Carolina passeava pelo quarto, observando os meus pertences com um ar de superioridade.
Pegou num dos meus perfumes, um frasco que o Tiago me oferecera há anos.
"Este cheiro já não se usa, querida," disse ela, com um sorriso condescendente. "O Tiago prefere fragrâncias mais... modernas. Como a minha. Ele até me disse que a minha almofada cheira divinamente."
A revelação do seu conhecimento íntimo do nosso espaço pessoal, da nossa cama, foi como um veneno a espalhar-se pelas minhas veias.
Num impulso, levantei a mão e dei-lhe uma bofetada.
O som ecoou no quarto.
Tiago reagiu instantaneamente.
Puxou-me para o lado com força, protegendo a Carolina.
"Estás louca, Isabela?" gritou ele, o rosto vermelho de fúria. "Atacar a Carolina? Ela não te fez nada!"
Ele estava cego. Completamente cego à maldade dela, à minha dor.
Era o fim.