Nos dias seguintes, comecei a tratar dos arranjos práticos.
Fui a um fotógrafo. Queria um retrato memorial.
Um retrato onde eu estivesse a sorrir, como se a vida não me tivesse roubado a alegria.
Escolhi um vestido azul claro, a cor da esperança, ironicamente.
Enquanto esperava pela minha vez, vi-os.
Tiago e Carolina.
Entraram no estúdio de mãos dadas, a rir.
Vinham tirar fotografias. Talvez para um anúncio da empresa. Talvez para eles.
Carolina viu-me primeiro.
O seu sorriso vacilou por um instante, mas recompôs-se rapidamente.
Sussurrou algo ao ouvido de Tiago, os olhos fixos em mim.
Ele franziu o sobrolho, olhando na minha direção com suspeita.
Ela estava a instilar-lhe dúvidas, a pintar-me como alguém que escondia segredos.
Tiago aproximou-se, a postura tensa.
"O que estás aqui a fazer, Isabela? Andas a seguir-nos?"
A acusação era tão absurda que quase ri.
"Vim tirar uma fotografia," respondi simplesmente.
"Uma fotografia? Para quê?" A suspeita na voz dele era palpável. Exigia uma divulgação.
Senti o meu coração a acelerar.
O fotógrafo chamou-me.
"Dona Isabela, pode vir agora."
Levantei-me, mas a minha mala caiu ao chão, espalhando o conteúdo.
Um pequeno panfleto do cemitério. E a fotografia a preto e branco do jazigo que eu tinha comprado.
Carolina apanhou-a rapidamente, um ar de choque fingido no rosto.
"Oh, meu Deus, Tiago, olha para isto!" exclamou ela, mostrando-lhe a fotografia.
Tiago olhou para a imagem, depois para mim, a incredulidade a transformar-se em frieza.
"Mas que raio é isto, Isabela? Estás a planear o teu próprio funeral? É mais um dos teus jogos para me fazer sentir culpado?"
Ele não entendia. Nunca entenderia.
"Tiago," supliquei, a voz embargada, "só queria que sentisses remorso. Só um pouco."
O desespero era palpável na minha voz.
Ele riu, um som amargo.
"Remorso? Porquê? Por viver a minha vida? Por ser feliz?"
Senti uma dor aguda no peito, as pernas a cederem.
Caí de joelhos, o mundo a girar à minha volta.
Carolina aproximou-se, o rosto contorcido numa máscara de falsa preocupação, mas os olhos brilhavam com malícia.
Sussurrou, para que só eu ouvisse: "Ele nunca te amou de verdade. E agora, finalmente, vai livrar-se de ti."
Tiago observava-me com desdém.
"Pára com o teatro, Isabela. Não tens vergonha de fazer estas cenas em público?"
O fotógrafo e outra cliente ajudaram-me a levantar, os seus rostos expressando uma mistura de pena e constrangimento.
Mas era tarde demais.
Lembrei-me de outra doença, há muitos anos. Uma infeção renal que me deixou de cama durante semanas.
Tiago não arredou pé do meu lado.
Lia para mim, fazia-me companhia, segurava-me a mão quando a dor era mais forte.
"Vou cuidar sempre de ti, meu amor," prometera ele.
Agora, ali estava ele, a desejar a minha morte, ou pelo menos, o meu desaparecimento.
O fim aproximava-se rapidamente. Senti-o nos ossos, no ar rarefeito que respirava.