Ainda se lembrava da frieza de Ricardo ao mandá-la para Lisboa, aos dezoito anos, depois de descobrir o seu diário e a sua paixão adolescente por ele, o melhor amigo do seu falecido pai, seu tutor.
Ele dissera que era para o seu bem, para ela amadurecer longe dele.
E ela amadurecera.
O telemóvel vibrou na sua mão. Era Lucas.
"Amor, tudo pronto para o nosso casamento no próximo mês?"
A voz dele, quente e segura, sempre a acalmava.
"Sim, meu bem, tudo perfeito. Mal posso esperar."
"E a conversa com o Ricardo? Achas que vai ser tranquilo?"
"Espero que sim, Lucas. Ele é meu tutor, quero a bênção dele, mesmo que seja só formalidade."
Desligou com um sorriso. Lucas era o seu porto seguro, o seu amor maduro.
Empurrou o pesado portão de ferro e entrou no jardim que conhecia tão bem.
Ao chegar à porta principal, antes que pudesse tocar a campainha, uma mulher alta, loira e com um ar arrogante abriu-a.
Sofia gelou.
Beatriz.
A sua perseguidora no colégio, a personificação dos seus pesadelos adolescentes.
"Pois não?" Beatriz perguntou, com um sorriso desdenhoso.
Sofia engoliu em seco. "Eu sou Sofia. Vim falar com o Ricardo."
Beatriz arqueou uma sobrancelha. "Ah, a órfãzinha. Ricardo está ocupado. E, a propósito, sou Beatriz, a noiva dele."
Noiva? Ricardo ia casar-se com Beatriz? A mulher que tornara a sua vida um inferno?
O mundo de Sofia pareceu girar.
Nesse momento, Ricardo surgiu atrás de Beatriz, impecável no seu fato caro.
Os olhos dele, antes paternais e depois confusos, agora eram frios como gelo.
"Sofia. Que surpresa desagradável."
A voz dele cortou-a mais do que qualquer faca.
"Ricardo, eu..."
"Beatriz é minha noiva," ele interrompeu. "A partir de hoje, vais chamá-la de tia Beatriz. Entendido?"
Tia Beatriz. A ordem ecoou na sua cabeça, humilhante, absurda.
Sofia olhou para o homem que um dia amara, que a criara, e viu um estranho.
Um estranho cruel, aliado à sua maior inimiga.
Ela tentou falar sobre Lucas, sobre o seu próprio casamento, mas as palavras não saíam.
Beatriz sorriu, vitoriosa.
"Seja bem-vinda de volta, queridinha."
A voz dela era puro veneno.
Sofia sentiu o chão fugir-lhe dos pés. O seu regresso ao Rio começava da pior maneira possível.
Ela queria apenas cumprir o ritual e ir embora, mas percebeu que seria muito mais complicado.
Engoliu em seco, a humilhação a queimar-lhe o rosto.
"Sim, Ricardo."
A sua voz saiu baixa, quase um sussurro.
Beatriz observava-a, triunfante. Ricardo mantinha a expressão dura.
Sofia pensou em Lucas, na vida que construíam juntos em Lisboa.
Isso deu-lhe uma centelha de força.
Ela não ia deixar que eles a destruíssem. Não outra vez.
Apresentaria o noivo, visitaria o túmulo dos pais e partiria para sempre.
Era só aguentar alguns dias.