A voz dela era fria, distante.
Lucas forçou um sorriso. "Feliz aniversário, meu amor."
Sofia tirou uma pequena caixa de veludo da bolsa. "Para você."
Ele abriu. Um relógio. Edição limitada, caríssimo. E completamente impessoal. Não combinava nada com ele.
"Obrigado. É... lindo."
Ela mal registrou a resposta dele, já com o celular na orelha.
"Bernardo? Sim, já cheguei. O Theo está bem? Ótimo. Amanhã conversamos sobre os detalhes do investimento."
Lucas sentiu o estômago revirar. Bernardo. Sempre Bernardo.
O relógio em suas mãos pareceu pesar uma tonelada.
A campainha tocou.
Era Dona Laura, mãe de Sofia. Ela entrou, os olhos perspicazes varrendo a sala, parando na mesa intocada, no rosto tenso de Lucas.
"Lucas, meu filho. Sofia."
Sofia desligou o celular, um pouco sem graça. "Mamãe, que surpresa."
"Vim dar os parabéns ao casal." Dona Laura abraçou Lucas com um calor que ele raramente recebia da esposa.
Depois, ela se virou para Sofia, mas seu olhar era de repreensão.
"A comida parece deliciosa, Lucas. Uma pena que esteja fria."
Sofia deu de ombros. "Tive uma emergência no Grupo."
Dona Laura suspirou, puxando Lucas para um canto da sala, enquanto Sofia já atendia outra ligação.
"Meu filho, até quando você vai aguentar isso?"
A voz dela era baixa, carregada de compaixão.
"Eu sei que você não é feliz. E sei que a Sofia..." Ela hesitou. "...ela não te valoriza como deveria."
Lucas engoliu em seco.
"Dona Laura, eu..."
"Eu nunca confiei naquele Bernardo," ela continuou, a voz firme. "E sei que esse casamento foi um erro desde o início. Um arranjo precipitado."
Lucas sentiu um nó na garganta. Ela sabia.
"Depois do acidente de lancha... você salvou a vida da Sofia, enquanto o Bernardo hesitou. E sua mãe, coitada, precisava daquele tratamento experimental com urgência."
Lágrimas brotaram nos olhos de Dona Laura. "Eu forcei a barra, Lucas. Pressionei a Sofia. Achei que com o tempo... mas o tempo só mostrou o quanto eu estava errada."
Ela segurou as mãos dele. "Eu tenho recursos. Dinheiro suficiente para você abrir seu bistrô em Lisboa, como sempre sonhou. Para recomeçar. Peça o divórcio, Lucas. Seja feliz. Você merece."
Lucas olhou para Sofia, ainda ao telefone, completamente alheia à conversa deles. A comida fria. O presente genérico. A menção a Bernardo.
Sua paciência, cultivada por cinco longos anos, finalmente se esgotou.
"Eu aceito, Dona Laura. Obrigado."
Ela sorriu, um sorriso triste, mas aliviado. "Eu que agradeço, meu filho. Por tudo."
Um flashback rápido passou pela mente de Lucas. Sofia, anos antes, vibrante, apaixonada por Bernardo.
Eles eram o casal de ouro da alta sociedade nordestina.
Depois, o acidente. A lancha virando, a água gelada, os gritos.
Bernardo, paralisado na margem. Lucas, sem pensar duas vezes, pulando na água para salvar Sofia, que se debatia.
Naquela mesma época, sua mãe, diagnosticada com uma doença rara. O tratamento experimental caríssimo era a única esperança.
A família Monteiro, grata, ofereceu ajuda. Sofia, ainda se recuperando, confusa e talvez culpada pela hesitação de Bernardo, propôs o casamento.
"Case comigo, Lucas. Eu pago o tratamento da sua mãe. E você me ajuda a esquecer o Bernardo."
Ele estava desesperado. A vida da mãe em jogo. O sonho do bistrô em Lisboa, o estágio com o chef francês, tudo parecia distante, impossível.
Sofia, percebendo sua hesitação, foi mais direta. "Eu sei do seu sonho, Lucas. Da sua ambição. Mas sua mãe precisa de você agora. E eu preciso de um marido."
Ela sabia tudo sobre ele. A dívida do pai, a luta para se formar chef.
"É um bom acordo para nós dois, não acha?" A voz dela, naquela época, tinha um quê de desespero.
Ele aceitou. Dias depois, a notícia: Bernardo tinha ficado noivo de outra em Dubai. Para Sofia, foi a confirmação de que ela tinha feito a escolha certa, mesmo que pelos motivos errados. Para Lucas, foi o início de uma vida de aparências.
De volta ao presente, Lucas olhou para Dona Laura. "O passado fica no passado. A senhora não tem culpa de nada."
Dona Laura sorriu, agradecida. A bondade dela era um oásis no deserto emocional que se tornara seu casamento.
Nos primeiros anos, Sofia até tentou. Mas a sombra de Bernardo sempre esteve presente. E quando ele retornou de Dubai, viúvo e com um filho pequeno, Theo, a ausência de Sofia em casa tornou-se quase constante.
"Eu também pensei em te ajudar com seus estudos na França, lembra? Quando sua mãe faleceu," Dona Laura disse, baixinho.
Lucas assentiu. Ele recusara. Queria se manter com seu próprio esforço, mesmo que isso significasse adiar ainda mais seus sonhos.
Sofia, na época, zombará da sua recusa. "Deixe de ser orgulhoso, Lucas. Aceite o dinheiro da mamãe. Ou você prefere continuar sendo meu... cozinheiro particular?"
Aquelas palavras ainda doíam.
Mais tarde naquela noite, Lucas foi ao cemitério. O mármore frio da lápide de sua mãe parecia refletir a frieza em seu coração.
"Mãe, eu vou me divorciar. Eu tentei, juro que tentei. Mas não dá mais. Me perdoa se eu te decepcionei."
As palavras saíram embargadas, um peso saindo de seus ombros.
Ele ficou ali, em silêncio, por um longo tempo. A decisão estava tomada.