Sua vida na mansão Monteiro sempre pareceu transitória, como uma longa viagem de negócios da qual ele nunca realmente desfazia as malas.
Ouviu o barulho do carro de Sofia chegando. Inesperadamente cedo.
Ela entrou na suíte, o olhar varrendo o quarto. Lucas estava parado perto do closet, a pequena mala aos seus pés.
Por um instante, ele achou que ela notaria. Que perguntaria.
Mas Sofia apenas franziu a testa. "Você não está no hospital hoje?"
"Pedi folga," ele respondeu, a voz neutra.
Ela deu de ombros, já procurando algo na penteadeira. "Preciso que você vá ao banco mais tarde. Resolver aquelas pendências da conta conjunta."
Lucas sentiu um calafrio. Era agora.
Antes de ir ao banco, ele passou no pequeno restaurante onde seu antigo mentor, Chef Antoine, ainda comandava a cozinha com maestria.
Antoine o recebeu com um abraço caloroso. "Lucas, meu rapaz! Que surpresa boa!"
Sentaram-se a uma mesa nos fundos.
"Você sumiu, hein? Casou com a moça rica e esqueceu dos velhos amigos," Antoine brincou, mas havia uma ponta de tristeza em sua voz. "Você tinha tanto talento, Lucas. Aquela bolsa para Paris, o estágio com o Chef Dubois... você jogou tudo fora."
Lucas sentiu o peso daquelas palavras. "Eu sei, chef. Mas as coisas mudaram."
Antoine o encarou. "Mudaram como?"
"Eu vou me divorciar," Lucas disse, de uma vez. "E quero voltar a estudar. Quero retomar minha carreira."
Os olhos de Antoine brilharam. "Sério? Mas isso é maravilhoso! A vaga com Dubois... talvez ainda possamos conseguir algo. Ele sempre pergunta por você!"
A esperança, antes uma chama pequena, cresceu no peito de Lucas.
O celular dele tocou. Sofia.
Ele atendeu, a voz de Antoine ainda ecoando em seus ouvidos.
"Lucas, onde você está? Estou te esperando para irmos juntos à recepção da embaixada. E traga aqueles papéis para eu assinar, os da conta." A voz dela era impaciente, autoritária.
Lucas hesitou. "Estou a caminho."
Ele esperava que ela notasse a mala no carro. Que fizesse alguma pergunta.
Mas quando ele chegou à mansão, Sofia já estava na porta, apressada, falando ao celular, claro, com Bernardo.
"Sim, Bernardo, levo o Theo comigo. Ele vai adorar." Ela desligou e se virou para Lucas, irritada.
"Finalmente! Vamos, estamos atrasados."
Ela nem olhou para a mala no banco de trás.
No carro, o silêncio era tenso. Lucas tirou os papéis do divórcio da pasta.
"Sofia, preciso que assine isso."
Ela pegou os papéis, os olhos ainda no celular, respondendo a uma mensagem.
"É sobre o quê? Aquela procuração para o contador?" Ela nem leu. Apenas rabiscou a assinatura na linha pontilhada.
Lucas sentiu o coração disparar. "Sofia, isso é..."
"Ah, Lucas, depois você me explica. Estou atrasadíssima." Ela o interrompeu, a voz carregada de desdém.
Ele se lembrou dos primeiros meses de casamento. Havia uma cumplicidade frágil, momentos de risadas, jantares preparados por ele que ela parecia apreciar. Onde tudo aquilo tinha se perdido?
"Sofia," ele tentou de novo, a voz mais firme. "Você ainda ama o Bernardo?"
Ela o fuzilou com o olhar. "Isso não é da sua conta. E pare de me amolar com perguntas idiotas."
Ela abriu a porta do carro assim que pararam em frente à embaixada e saiu, batendo a porta com força.
Lucas ficou ali, os papéis assinados na mão. Era isso.
Ele olhou para a mansão Monteiro ao longe, quando voltava para pegar o resto de suas coisas.
Apesar de tudo, aquele lugar tinha sido um lar, especialmente depois que sua mãe se fora. Um lar frio, sem afeto, mas ainda assim, um lar.
Quando Sofia notaria sua ausência definitiva? E quem ocuparia seu lugar ao lado dela?
A resposta parecia óbvia. Bernardo.