Capítulo 3

Lucas alugou um pequeno apartamento no centro, perto do hospital onde fazia alguns plantões como chef consultor para dietas especiais.

Era simples, mas aconchegante. E, pela primeira vez em anos, ele sentiu paz.

Passou os dias seguintes organizando sua nova vida. Retomou contato com universidades na França, pesquisou bolsas de estudo, calculou suas finanças.

Descobriu, para sua surpresa, que um antigo investimento que fizera com o dinheiro da venda de um carro popular, antes de se casar, tinha rendido um valor considerável. Não era uma fortuna, mas o suficiente para se manter por um bom tempo e talvez custear parte dos estudos.

Uma pequena ironia do destino.

Ele reativou seu antigo número de celular, o que usava antes de Sofia insistir que ele tivesse um "mais adequado ao status da família".

Assim que o aparelho ligou, foi bombardeado por mensagens. Todas de Sofia.

"Lucas, onde está o controle da TV da sala de cinema?"

"Lucas, o Theo está com febre, o que eu faço?"

"Lucas, o Bernardo vem jantar aqui hoje, você pode preparar aquele seu risoto de camarão?"

"Lucas, você sumiu? Está tentando me irritar? Volte para casa agora!"

Ele riu, uma risada sem humor. Ela nem sequer notara sua ausência, apenas a falta do "marido faz-tudo".

Ele decidiu ignorar as mensagens.

Então, o telefone tocou. Clara, a irmã mais nova de Sofia.

"Lucas? Onde você se meteu? A Sofia está furiosa! E o Bernardo está aqui, esperando o jantar que você deveria ter feito! Seu imprestável!" A voz dela era estridente, arrogante.

Lucas sentiu uma nova firmeza tomar conta de si. "Clara, eu não sou mais o cozinheiro da sua irmã. E muito menos do Bernardo."

"Como você ousa? Depois de tudo que a minha família fez por você? Seu aproveitador!"

Do outro lado da linha, ele ouviu a voz de Bernardo, melosa. "Lucas, meu caro, não seja assim. O pequeno Theo está perguntando por você. Ele sentiu sua falta no café da manhã."

Manipulador. Usando a criança.

Lucas respirou fundo. "Bernardo, eu não tenho nada a ver com o seu filho. E diga à Sofia que procure outro para os seus recados."

Clara voltou ao telefone, ainda mais irritada. "Você é um ninguém, Lucas! Um encostado! A Sofia te deu tudo!"

Ele ouviu Sofia tentar silenciar a irmã, mas Clara continuou.

"Você não passa de um empregadinho que deu sorte!"

Lucas sentiu o sangue ferver, mas manteve a calma. "Talvez você tenha razão, Clara. Eu sou um ninguém."

E desligou.

Minutos depois, uma mensagem de Sofia: "Lucas Oliveira, se você não voltar para esta casa em uma hora, vai se arrepender amargamente."

Ele respondeu com uma ironia que o surpreendeu: "Mal posso esperar."

A resposta dela foi um emoji de raiva.

Ele olhou pela janela do seu pequeno apartamento. Lembrou-se de Paris, do cheiro das boulangeries, do sonho de ter seu nome na porta de um pequeno bistrô charmoso.

Tudo sacrificado por um casamento de conveniência. Por uma mulher que nunca o amou.

Ele aceitou o fim daquele ciclo. Um novo começo o esperava.

Lamentou apenas a falta de amor de Sofia. E a inveja mal disfarçada de Bernardo, que sempre pareceu ressentir a gratidão que Sofia, mesmo que minimamente, demonstrava por ele.

Outra mensagem de Sofia piscou na tela.

"Onde você está? Eu vou te buscar."