"Eu não estou chateada, Cíntia," Lia respondeu, a voz calma. "Estou apenas resolvendo minha vida."
Bruno a repreendeu. "Resolvendo sua vida? Ou sendo mesquinha e egoísta? Cíntia quase perdeu a casa ontem na tempestade, e você nem se importou em perguntar!"
"Eu soube que você foi socorrê-la. Certamente ela estava em boas mãos," Lia disse, a ironia velada em sua voz.
Cíntia apertou o braço de Bruno. "Não vamos brigar, por favor. Lia, eu sei que você é uma boa pessoa."
Lia sentiu um cansaço profundo. Aquela encenação era exaustiva.
"Sim, Cíntia. Eu sou ótima," ela disse, dando um leve sorriso que não mostrava nada do que sentia.
Ela se virou para ir embora.
"Espere," Bruno chamou. Ele parecia desconfortável com a atenção que estavam atraindo.
Ele a alcançou e falou em voz baixa. "Lia, sobre aquele terreno que seus avós deixaram para você em Manaus..."
Lia parou. O terreno era a única coisa de valor que ela possuía, uma herança querida.
"O que tem o terreno?"
"Bem, Cíntia estava pensando em investir no futuro de Pedrinho. Talvez abrir uma pequena loja, algo assim. E como você não vai usar o terreno agora..."
O ultraje subiu pela garganta de Lia. Ele queria que ela vendesse sua herança para Cíntia?
"Você está sugerindo que eu venda meu terreno para ajudar Cíntia?"
"Não é bem assim," Bruno tentou consertar. "Seria um investimento. E eu te ajudaria, claro. Quando eu for promovido, posso te dar o dinheiro de volta."
Lágrimas de raiva e dor vieram aos olhos de Lia. As promessas vazias, a completa falta de consideração por ela.
"Não, Bruno. Eu não vou vender meu terreno."
Sua voz tremeu, mas estava firme. "Aquele terreno é tudo que me resta dos meus avós. E é em Manaus, para onde eu vou."
Bruno ficou irritado. "Você está sendo teimosa de novo! É sempre sobre você, não é? Cíntia precisa de ajuda!"
"E eu não precisei, Bruno? Durante todos esses anos, eu não precisei?"
A dor em sua voz o fez recuar um pouco, mas a arrogância voltou rapidamente.
"Isso é diferente. Cíntia é viúva, tem um filho para criar."
"E eu sou sua esposa. Ou pelo menos, ainda sou, por enquanto."
Ele bufou. "Se você continuar com essa atitude, talvez não por muito tempo."
Ele se virou e foi embora, deixando-a sozinha na praça.
Naquela noite, a casa estava fria e silenciosa. Bruno não voltou para o jantar.
Lia lembrou-se de todas as vezes que ele a deixou esperando, todas as promessas não cumpridas, todo o apoio que nunca veio.
Lembrou-se da malária, da febre, de implorar por ajuda enquanto ele estava ocupado com Cíntia.
A decisão de se divorciar se solidificou em seu coração como uma pedra.
Bruno chegou tarde, cheirando a perfume barato e álcool.
Ele tentou abraçá-la, beijá-la, como se nada tivesse acontecido.
"Lia, meu amor, me desculpe por hoje. Eu estava estressado."
Sua voz era melosa, falsa. Ele queria algo.
"Se você me perdoar, e se você reconsiderar sobre o terreno... podemos esquecer essa história de Manaus. Eu posso tentar conseguir uma vaga para Cíntia em outro lugar no próximo ano."
Lia sentiu repulsa. A manipulação era tão óbvia.
Ela se afastou dele.
"Bruno," ela disse, a voz firme, "eu quero o divórcio."