Bruno pegou o envelope, as mãos tremendo levemente. Ele abriu e leu o documento, o rosto empalidecendo a cada linha.
Quando terminou, ele riu, um som seco, sem humor.
"Você realmente acha que pode seguir com isso? Sozinha? Sem mim?"
Ele pegou uma caneta da escrivaninha, assinou os papéis com um floreio desdenhoso.
"Pronto! Agora pare com esse drama. Duvido que você tenha coragem de ir até o fim com isso."
Ele jogou os papéis na cama e saiu do quarto, batendo a porta.
Lia pegou os papéis, as lágrimas finalmente escorrendo pelo seu rosto. Não pela perda de Bruno, mas pela forma como tudo estava acontecendo.
Ela também assinou, a mão firme apesar da emoção.
No dia seguinte, Lia levou os papéis do divórcio ao pequeno escritório do oficial militar responsável pelos trâmites legais na vila.
O oficial, um homem mais velho e sério, leu os documentos cuidadosamente.
"Capitã Ferreira," ele disse, usando o sobrenome de solteira dela, o que a surpreendeu, "está tudo em ordem. O processo de averbação levará algumas semanas. Assim que estiver finalizado, e sua transferência para Manaus for confirmada, você estará legalmente divorciada e poderá partir."
Lia agradeceu, sentindo um peso sair de seus ombros. O caminho para sua liberdade estava se abrindo.
Ela precisava planejar seu retorno para Manaus, para a casa de seus pais.
Bruno permaneceu ausente nos dias seguintes. Ele apareceu brevemente uma manhã, uniformizado, pronto para uma missão na selva.
"Vou ficar fora por uns dias," ele disse, sem emoção. "Cíntia vai precisar de ajuda com algumas coisas na cidade vizinha. O carro oficial está à disposição dela, mas talvez ela precise de companhia. Veja se pode ajudá-la."
Ele nem esperou uma resposta, apenas saiu.
Lia não discutiu. Sua resignação pareceu confundi-lo por um momento, mas ele não disse nada.
Ela sabia que ele esperava uma briga, uma súplica. Ele não recebeu nenhuma.
Os dias se passaram. Lia continuou com sua rotina, dando aulas na pequena escola local, arrumando suas poucas coisas, sonhando com Manaus.
Seu aniversário chegou e passou. Foi o primeiro aniversário em anos que ela passou sozinha, sem a presença opressora de Bruno ou a sombra de Cíntia.
E, estranhamente, ela se sentiu em paz. Ligou para seus pais em Manaus, contou sobre a transferência iminente, omitindo o divórcio por enquanto. Eles ficaram radiantes com a notícia de seu retorno.
Uma tarde, enquanto Lia corrigia provas na varanda, Cíntia apareceu, exibindo um novo colar de ouro brilhante.
"Olha o que o Bruninho me deu," ela disse, a voz cheia de orgulho. "Ele é tão atencioso, não é?"
Lia apenas acenou com a cabeça, sem tirar os olhos das provas.
Cíntia não gostou da falta de reação.
"Ele não te deu nada de aniversário, Lia? Que estranho. Ele sempre foi tão generoso."
A provocação era clara. Lia respirou fundo. "Ele está ocupado, Cíntia."
"Ocupado demais para a própria esposa?" Cíntia riu. "Ou será que ele esqueceu?"
Lia tentou ignorar, mas Cíntia se aproximou, baixando a voz.
"Sabe, Lia, ele me disse que você tem sido muito difícil ultimamente. Talvez seja por isso."
Naquele exato momento, Bruno surgiu na varanda, vindo do interior da casa. Ele devia ter chegado sem que Lia percebesse.
Ele ouviu o final da conversa de Cíntia.
"Difícil é pouco, Cíntia," ele disse, a voz carregada de irritação. "Lia anda insuportável. E sobre o presente de aniversário, ela mesma disse que não queria nada este ano, que estava economizando para 'grandes planos'."
Ele olhou para Lia com desprezo. "Não é mesmo, Lia? Tanta vaidade para quê?"