"Você não pertence ao nosso mundo, Sofia. Ricardo tem um futuro brilhante, uma noiva do seu nível social. Aceite e desapareça. É o melhor para todos."
Sofia sentiu o peso da humilhação, mas seu rosto permaneceu calmo.
Ela pegou o cheque.
"Eu aceito."
Com o cheque na bolsa, Sofia voltou para a mansão dos Andrade.
O luxo do lugar agora parecia vazio, opressor.
Ela parou diante de um pequeno vaso de cerâmica que fizera, uma peça simples, quase infantil, que Ricardo, quando ainda não lembrava quem era, havia colocado com orgulho na suntuosa sala de estar.
Aquele vaso desencadeou uma avalanche de memórias.
Anos antes.
Sofia lutava para vender suas peças de cerâmica nas feiras de artesanato do Rio de Janeiro.
Numa noite chuvosa, ao cortar caminho por uma viela escura de sua comunidade, encontrou um homem caído, ferido e ensanguentado.
Ele não tinha documentos, não lembrava o próprio nome.
Vítima de um atentado, ela descobriria muito depois, ligado a disputas de terras de sua família rica.
Sofia, com seu coração puro, apesar das dificuldades da vida, cuidou dele.
Alugaram uma casinha simples na comunidade.
Ele, a quem ela passou a chamar de "Leo", fazia pequenos trabalhos, "bicos", para ajudar nas despesas.
Ela se desdobrava com sua cerâmica.
Eram pobres, mas a felicidade transbordava na simplicidade dos dias.
Num gesto de amor, ele tatuou as iniciais "S.A." em sua clavícula.
"Sofia Alves," ele dissera, beijando o local. "Para eu nunca me esquecer de você, meu amor."
A memória de Ricardo Andrade retornou de forma abrupta, num dia qualquer.
O choque.
Ele era um magnata do agronegócio.
Levou Sofia para sua mansão em São Paulo, um mundo de opulência que a sufocava.
Ele se tornou outro homem. Distante, frio, imerso em negócios e planilhas.
A imprensa começou a veicular boatos sobre seu noivado com Isabella Bittencourt, herdeira de usineiros de cana-de-açúcar.
Sofia se sentia um peixe fora d'água, ignorada, desprezada sutilmente por todos, inclusive por ele.
Após uma discussão ríspida, onde Ricardo minimizou os boatos como "coisas da sociedade", Sofia percebeu.
O "Leo" que ela amava tinha morrido no dia em que Ricardo Andrade renasceu.
Foi então, já desgastada e profundamente humilhada, que a proposta de Dona Helena surgiu como uma tábua de salvação, ainda que amarga.
Ela decidiu ir embora.
No dia marcado para ir ao consulado tirar o visto para Portugal, onde planejava recomeçar, Sofia passou em frente a um restaurante de luxo.
Seu coração parou.
Ricardo e Isabella estavam lá, rindo, brindando.
Ele a viu.
Seus olhos se encontraram.
Ele se levantou, veio em sua direção, o rosto uma máscara de fúria.
"O que você está fazendo aqui? Está me seguindo?"
Isabella aproximou-se, um sorriso falso nos lábios.
"Querida, junte-se a nós. Experimente esta lagosta, é divina."
Sofia sentiu o ar faltar.
Ela era terrivelmente alérgica a frutos do mar.
A crise alérgica foi imediata, violenta.
A humilhação pública, enquanto Ricardo a olhava com frieza e Isabella com triunfo dissimulado, foi a gota d'água.