Sofia voltou para a mansão, o corpo ainda tremendo da crise alérgica, o rosto inchado.
Subiu direto para o quarto que ocupava, um cômodo luxuoso que nunca sentiu como seu.
Ignorou os remédios sobre a cômoda. A dor física era menor que a da alma.
Abriu o guarda-roupa e começou a jogar suas poucas roupas numa mala velha.
O cheiro dele, um perfume caro e amadeirado, ainda pairava no ar, misturado ao dela, um sabonete barato de lavanda.
A porta do quarto se abriu com força. Ricardo entrou, o rosto contorcido pela raiva.
"O que significa isto, Sofia? Que palhaçada é essa?"
Ele gesticulou para a mala.
"Vai fazer drama por causa daquele mal-entendido no restaurante? Ciúmes infantis?"
Sofia não respondeu, continuou a dobrar suas roupas com uma calma que o irritava profundamente.
"Responda!" ele gritou.
Ela fechou a mala.
"Não há nada para responder, Ricardo. Estou indo embora."
Ele riu, um som seco, sem humor.
"Você não vai a lugar nenhum. Pare com isso."
Ele se virou e saiu, batendo a porta com tanta força que as paredes pareceram tremer.
Na manhã seguinte, Sofia desceu as escadas e encontrou Ricardo e Isabella na sala de café.
Isabella sorriu para ela, a personificação da falsidade.
"Sofia, querida, que bom que desceu. Estávamos justamente falando sobre o leilão beneficente de hoje à noite. Joias, arte... você deveria vir conosco."
Ricardo sequer olhou para Sofia.
"Faça o que quiser," ele disse, a voz neutra, folheando um jornal.
Sofia sentiu o convite como mais uma armadilha, mas algo a impeliu a aceitar.
Talvez fosse a última oportunidade de ver até onde a crueldade deles poderia ir.
"Eu adoraria," ela respondeu, a voz surpreendentemente firme.
No leilão, o brilho das joias e a ostentação das obras de arte apenas ressaltavam o abismo social que a separava daquele mundo.
Ricardo arrematava peças caríssimas para Isabella, uma pulseira de diamantes aqui, um colar de esmeraldas ali.
Ele a ignorava completamente, como se ela fosse invisível.
Sofia observava, o coração apertado.
Ela já tinha aceitado o dinheiro de Dona Helena. Em breve, estaria livre daquela farsa.
De repente, um item especial foi anunciado.
Um antigo medalhão de ouro com a imagem de Nossa Senhora Aparecida.
O coração de Sofia disparou. Era o medalhão de sua avó.
Sua única herança, a única lembrança física que tinha dela.
Um flashback doloroso a atingiu.
Quando encontrou Ricardo ferido, ela não tinha dinheiro para os remédios e curativos iniciais.
Desesperada, penhorou o medalhão. Prometera a si mesma que o recuperaria assim que pudesse.
Agora, ali estava ele, diante de seus olhos.
Com o pouco dinheiro que ainda tinha consigo, o que Dona Helena lhe dera ainda estava intocado no banco, ela deu um lance tímido, a voz embargada pela emoção.
Os lances subiram.
Ricardo, sem sequer olhar para ela, sem reconhecer o valor sentimental da peça – ou talvez ignorando-o propositalmente – deu um lance astronômico.
O martelo bateu.
"Vendido para o senhor Andrade!"
Ele pegou o medalhão e, com um sorriso galanteador para as câmeras e os presentes, colocou-o no pescoço de Isabella.
A humilhação queimou o rosto de Sofia como fogo.