No dia seguinte, os médicos disseram que eu podia ter alta. Fisicamente, eu estava a recuperar. Emocionalmente, eu era um deserto.
Arrumei as minhas poucas coisas numa pequena mala que a enfermeira me arranjou. O meu telemóvel tinha-se partido no acidente. Usei o telefone do hospital para ligar à única pessoa em quem eu confiava.
"Lúcia? Sou eu, a Clara."
"Clara! Meu Deus, soube do acidente! Estás bem? Tentei ligar-te, mas o teu telemóvel não dava sinal."
A voz preocupada dela foi a primeira gota de bondade que recebi em dias. As lágrimas que eu não tinha chorado ameaçaram vir.
"Lúcia, podes vir buscar-me ao hospital? Eu preciso... preciso de sair daqui."
"Claro. Estou a caminho. Não te mexas."
Meia hora depois, Lúcia entrou no quarto. Ela não disse nada. Apenas me abraçou com força. E eu finalmente chorei. Chorei pelo meu filho, pela minha vida desfeita, pela traição.
Quando me acalmei, ela limpou as minhas lágrimas. "Vamos. Tira-te daqui."
Quando estávamos a sair do quarto, demos de caras com Helena e Miguel no corredor.
"Onde pensas que vais?" perguntou Helena, bloqueando o nosso caminho.
"Vou-me embora", disse eu, a minha voz firme.
"Não vais a lado nenhum. Estás emocionalmente instável. Vens para casa connosco, onde podemos tomar conta de ti", disse Miguel, tentando pegar no meu braço.
Afastei-me dele. "Não me toques. Eu não vou para lado nenhum convosco."
"Clara, não sejas ridícula", disse Helena com desdém. "Precisas de ajuda. Esta tua amiga está a pôr-te ideias na cabeça."
Lúcia deu um passo à frente. "Ela é uma mulher adulta. Ela pode decidir por si mesma. E ela decidiu ir comigo. Com licença."
Lúcia era mais pequena que Miguel, mas a sua determinação era gigante. Ela pegou na minha mão e começou a andar, puxando-me com ela.
Miguel hesitou. Ele olhou para a mãe, depois para mim. Ele podia ter-nos impedido fisicamente, mas não o fez. Talvez por estarmos num corredor de hospital cheio de gente.
"Vais arrepender-te disto, Clara!" gritou Helena pelas nossas costas.
Ignorei-a. Continuei a andar com Lúcia, para longe deles, para longe daquela vida. Cada passo era doloroso, mas cada passo era um passo em direção à liberdade.