A vida depois do divórcio era um borrão cinzento.
Mudei-me para um pequeno apartamento no centro da cidade, longe das memórias da minha vida antiga.
A minha mãe queria que eu ficasse com ela, mas eu precisava do meu próprio espaço para curar. Ou pelo menos, para tentar.
Passei os meus dias a dormir, a ver televisão sem realmente prestar atenção, e a ignorar as chamadas de amigos bem-intencionados.
A dor era uma presença constante, um peso no meu peito que tornava difícil respirar.
Uma tarde, a campainha tocou. Eu ignorei. Tocou novamente, insistentemente.
Com um suspiro, arrastei-me até à porta e olhei pelo olho mágico.
Era a Joana.
O meu primeiro instinto foi fechar a porta e fingir que não estava em casa. Mas uma parte de mim, uma parte zangada e curiosa, queria saber o que ela queria.
Abri a porta.
Ela sorriu, um sorriso brilhante e ensaiado.
"Sofia! Que bom ver-te. Estava a passar por aqui e pensei em dizer olá."
Ela estava vestida com um vestido de verão caro, o seu cabelo perfeitamente penteado. Parecia radiante.
Eu não a convidei a entrar. Apenas fiquei ali, a bloquear a entrada.
"O que queres, Joana?"
O seu sorriso vacilou por um segundo.
"Eu só queria ver como estavas. O Pedro está muito preocupado contigo."
"O Pedro?" repeti, uma risada amarga a escapar dos meus lábios. "Se ele estivesse preocupado, teria vindo ele mesmo."
"Ele está ocupado," disse ela rapidamente. "O trabalho tem sido muito exigente."
"Claro," disse eu, o meu tom seco.
Ficámos em silêncio por um momento. Ela olhou para o meu apartamento por cima do meu ombro, o seu nariz a torcer-se ligeiramente.
"É... acolhedor," disse ela, a sua voz condescendente.
"É a minha casa," respondi, a minha voz firme.
Ela suspirou, a sua fachada a começar a rachar.
"Olha, Sofia, eu vim aqui para te pedir para deixares o Pedro em paz."
Eu olhei para ela, confusa. "Eu deixei-o em paz. Eu divorciei-me dele, lembras-te?"
"Não, tu não deixaste," disse ela, a sua voz a ganhar um tom agudo. "Tu continuas a assombrá-lo. Ele está miserável, e é por tua causa."
Eu não conseguia acreditar no que estava a ouvir.
"Ele está miserável? Eu perdi o meu filho, Joana. O meu corpo ainda está a recuperar. A minha vida desmoronou-se. E tu vens aqui dizer-me que ele está miserável?"
"Tu não és a única que está a sofrer!" ela retorquiu. "Ele também perdeu um filho! E agora ele perdeu a sua esposa. Tudo por causa do teu egoísmo."
"O meu egoísmo?" A minha voz tremeu de raiva. "Eu estava sozinha, Joana! Sozinha e grávida! Enquanto vocês os dois estavam a beber cocktails numa praia em Bali!"
O rosto dela endureceu.
"Tu não sabes de nada. O Pedro e eu temos uma ligação. Uma ligação que tu nunca entenderias."
E então, ela disse as palavras que confirmaram todas as minhas suspeitas.
"Eu amo-o, Sofia. E ele ama-me a mim. Nós vamos ficar juntos."
O mundo pareceu parar. O som do trânsito lá fora desapareceu. Tudo o que eu conseguia ouvir era o zumbido nos meus ouvidos.
"Sai," disse eu, a minha voz perigosamente calma.
"O quê?"
"Eu disse, sai da minha casa. Agora."
Ela olhou para mim, um sorriso triunfante a espalhar-se pelo seu rosto.
"Com prazer. Apenas lembra-te disto: tu perdeste. Eu ganhei."
Ela virou-se e afastou-se, o som dos seus saltos altos a ecoar no corredor.
Fechei a porta e encostei-me a ela, as minhas pernas a tremer.
A dor no meu peito intensificou-se, mas desta vez, foi misturada com algo novo.
Raiva. Uma raiva fria e ardente que prometia consumir tudo no seu caminho.