Um bombeiro com o rosto coberto de fuligem partiu o vidro da janela.
"Consegue ouvir-me, menina?"
Assenti, incapaz de falar. Ele trabalhou rapidamente, cortando o meu cinto de segurança com uma ferramenta.
"Está ferida? Dói-lhe alguma coisa?"
"A minha barriga," consegui dizer. "O meu bebé."
Ele olhou para a minha barriga proeminente e a sua expressão tornou-se ainda mais séria. "Vamos tirá-la daqui. A ambulância está à espera."
Enquanto me puxavam para fora dos destroços, o meu corpo protestava com dor. Deitaram-me numa maca. O paramédico começou imediatamente a verificar os meus sinais vitais.
"Qual é o seu nome?"
"Clara."
"Clara, precisamos de a levar para o Hospital de São João. É o mais próximo."
O hospital do Miguel. Uma onda de náusea percorreu-me.
"Contacto de emergência?" perguntou o paramédico, com uma caneta sobre um formulário.
Hesitei. O nome do meu marido estava na ponta da minha língua, mas parecia veneno.
"Miguel Bastos," disse por fim. "Ele é médico... nesse hospital."
O paramédico assentiu, anotando a informação. "Vamos contactá-lo assim que chegarmos."
Durante o trajeto na ambulância, com a sirene a uivar, tentei ligar para o Miguel mais dez vezes. Todas as chamadas foram diretas para o voicemail. Ele tinha desligado o telemóvel ou bloqueado o meu número.
A dor na minha barriga intensificou-se, transformando-se em cãibras agudas e rítmicas. Fechei os olhos com força. O medo era uma coisa física, fria e pesada no meu peito. Eu não estava a pensar no acidente, no fogo ou nos outros carros. Estava a pensar no silêncio que se seguiu ao "clique" do telefone.