Eu estava grávida de oito meses, a caminho de casa, quando o cheiro a metal queimado e a fumo me envolveu na autoestrada A1.
Uma dor aguda prendeu-me ao assento, enquanto sirenes e gritos se misturavam à minha volta.
A minha mão tremia quando discava o número do meu marido.
Miguel, um médico: ele ia salvar-me, certo?
Mas a sua voz, quando finalmente atendeu, foi fria e distante.
"Estou ocupado, Clara. A Sofia está a ter um ataque de pânico. O gato dela fugiu."
Ele desligou, deixando-me sozinha nos destroços, enquanto o nosso filho lutava pela vida dentro de mim.
O nosso bebé, de oito meses, não sobreviveu.
O descolamento da placenta foi severo demais.
Mas a dor mais forte veio depois.
No hospital, presenciei Miguel a consolar Sofia, alheio à minha presença.
Pior, o seu pai, Artur, diretor do hospital, culpou-me pela "minha imprudência".
"Exageros", disse ele. "Uma mulher grávida fica emocional."
"Tu mataste o nosso filho, Clara", gritou o Miguel, quando me confrontou finalmente.
Eles queriam que eu engolisse a culpa, que aceitasse o meu lugar de "mulher histérica" na família Bastos.
Mas eu tinha perdido tudo.
E, quando uma mulher não tem mais nada a perder, ela encontra uma força que nunca soube que possuía.
Eu disse as palavras que selaram o seu destino: "Eu quero o divórcio."
E não me importava o poder da família Bastos.
A verdade viria à tona.