Hoje era o dia de concretizar o nosso sonho.
O sinal para o terreno da nossa casa, desenhada tijolo por tijolo na minha mente, estava pronto. Abri a aplicação do banco, com o coração a bater de entusiasmo. O saldo: 17,45€. As nossas poupanças de três anos, cem mil euros, tinham desaparecido. Liguei ao meu marido, Pedro, no meio de uma festa, e a sua voz despreocupada revelou o impensável: "A Clara precisava de um empréstimo. Transferi o dinheiro para ela na semana passada."
Aquelas palavras, e a risada da irmã dele ao fundo, foram como um punhal. Ele sabia há uma semana que o nosso sonho estava destruído e "esqueceu-se" de me dizer. Quando confrontado, a sua defesa foi nua e crua: "O que importa mais, uma casa ou a minha irmã? Ela é a minha família. O sangue fala mais alto." Fui apelidada de "dramática" e perdi a promoção na maior apresentação da minha carreira porque ele me abandonou para ir ver a irmã que "partiu o braço" a montar uma prateleira.
Eu era apenas a segunda opção, um incómodo temporário. A raiva deu lugar a uma dor silenciosa, até que, numa noite, violei a minha própria regra e mexi no telemóvel dele. A palavra-passe? O aniversário da Clara, claro. As mensagens entre eles, geladas e cruas, revelaram a conspiração e a frase que me perfurou a alma: "E a Sofia faz um escândalo, mas depois passa. Ela faz sempre."
O silêncio gelado deu lugar a uma clareza avassaladora. No almoço de domingo, perante Pedro, a Clara, e a minha sogra, com a minha voz calma e firme, fiz o meu anúncio: "O Pedro e eu vamos divorciar-nos." Eu não ia ser a segunda escolha. Não mais. Naquele dia, saí daquela casa, livre. Porque o amor não tinha nada a ver com aquilo: era sobre respeito. E eu ia construir a minha própria casa. Sozinha. E livre.