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Helena e Tiago eram, aos olhos de todos no Rio de Janeiro, o casal perfeito. Oito anos de casamento, uma cobertura com vista para o mar em Ipanema e um amor que parecia saído de uma novela das nove.
Mas eu, Helena, carregava uma dor silenciosa. A dor de não conseguir dar a Tiago o filho que ele tanto queria.
A pressão era constante, especialmente vinda da minha sogra, Dona Lurdes. Em cada churrasco de família, o assunto voltava.
"Helena, minha filha, já são oito anos. Uma mulher completa a família com filhos."
Eu sorria, um sorriso tenso, enquanto Tiago me abraçava e dizia que o nosso amor bastava.
Mas eu sabia que não bastava.
Numa tarde quente, decidi surpreendê-lo. Fui até o seu escritório de arquitetura, um império que ele construiu do nada, levando uma tigela de açaí, o seu favorito.
A porta da sua sala estava entreaberta. Parei, pronta para entrar, quando ouvi uma voz infantil.
"Papai, olha o meu desenho!"
O meu coração parou. Espreitei pela fresta. Tiago estava sentado na sua poltrona de couro, e no seu colo, um menino de uns cinco anos, de cabelos escuros e olhos vivos, mostrava-lhe um papel.
A mulher ao lado deles, que eu reconheci como Sofia, a sua assistente pessoal, sorria.
"Ele tem o seu talento, Tiago."
A tigela de açaí tremeu nas minhas mãos. O menino olhou na minha direção e os nossos olhos encontraram-se.
"Papai, quem é ela?"
Tiago levantou a cabeça bruscamente. O seu rosto, antes sereno, transformou-se numa máscara de pânico. Ele levantou-se de um salto, afastando o menino.
"Sofia, leva o Léo para a tua sala. Agora."
Ele veio até mim, pegando a tigela das minhas mãos.
"Meu amor, o que fazes aqui? Que surpresa boa."
"Quem é aquele menino, Tiago?" A minha voz era um fio.
Ele riu, um riso forçado. "Ah, o Léo. É um menino de um projeto social que a empresa apoia. A mãe dele, a Sofia, estava com um problema e teve que o trazer hoje. Coitadinho, não tem pai."
Ele olhou-me nos olhos, a sua expressão cheia de uma sinceridade que eu queria desesperadamente acreditar.
"Ele parece-se contigo."
Tiago abraçou-me, o seu cheiro familiar envolvendo-me.
"Estás a ver coisas, meu amor. Lembras-te daquela vez no Carnaval de Salvador? Nós dois, sozinhos contra o mundo. É assim que seremos sempre. Só tu e eu."
Ele beijou-me, e por um momento, a dúvida dissolveu-se no calor do seu abraço. Eu deixei-me levar, querendo acreditar na sua mentira.
Mas a semente da desconfiança já estava plantada.
Naquele fim de semana, Dona Lurdes veio visitar-nos. Ela sentou-se no sofá, os olhos a varrerem o apartamento, como se procurassem algo que faltava.
"Então, Helena. Alguma novidade para a sua velha sogra?"
"Não, Dona Lurdes. Ainda não."
Ela suspirou, um som pesado de desilusão. "Uma casa sem criança é uma casa sem alma. O Tiago merece ser pai. Ele seria um pai maravilhoso."
Senti uma pontada de ironia. Ele já era pai.
A dúvida não me largava. Durante uma limpeza geral, decidi arrumar o escritório de Tiago em casa. Numa caixa de charutos cubanos que ele guardava como relíquia, encontrei um U-drive antigo.
Liguei-o ao meu computador. Havia uma pasta protegida por senha. Tentei a data de nascimento dele. Errado. A data do nosso primeiro encontro. Errado.
Com o coração a martelar, digitei a data do nosso casamento.
A pasta abriu-se.
O meu mundo desabou. Eram centenas de fotos e vídeos. Um menino recém-nascido, os seus primeiros passos, o seu primeiro aniversário. Era o Léo. Em muitas fotos, Sofia estava ao lado dele, sorrindo. E Tiago. Tiago estava em quase todas, a segurar o menino, a beijá-lo, a parecer o pai mais feliz do mundo.
Havia um documento de texto chamado "Nossa Família".
Abri-o. Era um diário, escrito por Tiago. Detalhes do nascimento de Lucas, a quem chamavam carinhosamente de Léo. As noites em que ele saía a meio da noite para cuidar do filho doente. Os fins de semana que passava com eles, enquanto me dizia que estava em viagens de negócios.
A traição era tão profunda, tão calculada, que me deixou sem ar. Oito anos de mentiras.
Na segunda-feira seguinte, fui ao escritório dele. Não entrei. Fiquei do outro lado da rua, a observar.
Às cinco da tarde, ele saiu. De mãos dadas com Sofia. Léo ia à frente, a rir, a correr. Pareciam uma família normal a sair para um passeio.
Ele beijou Sofia na testa antes de ela entrar no seu carro com o menino.
A náusea subiu-me pela garganta.
Naquela noite, ele ligou.
"Amor, vou ter que trabalhar até tarde. Um projeto urgente."
"Tudo bem," respondi, a voz fria como gelo.
Segui-o. Ele não foi para o escritório. Foi para um prédio em Copacabana. Vi-o entrar. Esperei. Uma hora depois, a luz de um apartamento no décimo andar acendeu-se. Na janela, vi a silhueta dele a abraçar Sofia.
Voltei para o nosso apartamento. O nosso lar. Sentei-me no escuro, a esperar.
Quando ele chegou, perto da meia-noite, acendi a luz. Ele sobressaltou-se.
"Helena! Assustaste-me. Porque estás no escuro?"
"Onde estiveste, Tiago?"
Ele hesitou. "Eu disse-te, amor. A trabalhar."
"Não mintas mais para mim."
Levantei-me e fui até ele. O cheiro do perfume de Sofia estava impregnado na sua camisa.
"Eu sei de tudo. Do Léo. Da Sofia. Da vossa 'Nossa Família'."
O rosto dele ficou branco. Ele tentou negar, mas as palavras não saíam. Eu sentia-me estranhamente calma, como se estivesse a flutuar fora do meu próprio corpo.
Nesse momento, o meu telemóvel tocou. Era o Pedro, o meu amigo de infância, o meu porto seguro. Ignorei a chamada.
Tiago olhou para o ecrã do meu telemóvel, o seu rosto a contorcer-se de raiva.
"Não vais falar com ele. Não vais a lado nenhum."
Ele agarrou no meu braço, a sua força a surpreender-me.
"Helena, eu amo-te. Só a ti."
"Larga-me."
"Não. Tu és minha."
Ele empurrou-me contra a parede, os seus olhos escuros e possessivos.
"Eu amo-te," repetiu ele, a voz um sussurro rouco. "E tu vais ficar comigo."
Ele começou a chorar, a soluçar, a pedir perdão. Mas as suas lágrimas não me comoviam. Eu só sentia o peso do seu corpo a prender-me, o cheiro da sua traição a sufocar-me.
Lembrei-me do início. De como o conheci, um engenheiro brilhante mas sem nome. De como o meu pai, a contragosto, usou a sua influência para o ajudar a conseguir os primeiros grandes contratos. Tudo por mim. Porque eu o amava.
Eu tinha desistido da minha carreira, da minha família, da minha vida em São Paulo, para construir um futuro com ele no Rio.
E ele tinha construído esse futuro sobre um cemitério de mentiras.
"Vamos acabar com isto, Tiago," disse eu, a voz firme.
Peguei numa folha de papel e comecei a escrever. "Eu, Helena Almeida Prado, quero o divórcio."
Liguei ao meu pai.
"Pai, preciso de ajuda. Quero voltar para casa."
A voz dele, do outro lado da linha, era calma mas firme. "Estou à tua espera, minha filha. Sempre."