Capítulo 2

Quando Tiago viu o papel na minha mão, o seu rosto transformou-se. A máscara de arrependimento caiu, revelando uma fúria fria.

"Divórcio? Estás a brincar comigo, Helena?"

"Eu sei de tudo," repeti, a voz sem emoção. "Vi-te com eles. Li o teu diário. Acabou, Tiago."

Ele caiu de joelhos. As lágrimas voltaram, desta vez mais abundantes, mais desesperadas.

"Foi um erro! Uma vez, depois de uma festa da empresa. Eu estava bêbado. A Sofia aproveitou-se de mim. Mas eu nunca a amei! O Léo... ele foi um acidente. Eu só te amo a ti, Helena! A minha vida não tem sentido sem ti!"

Ele agarrava-se às minhas pernas, a sua súplica a ecoar no apartamento silencioso.

"A culpa é tua também! Se me tivesses dado um filho, nada disto teria acontecido!"

O nojo subiu-me pela garganta. Empurrei-o.

"Vou-me embora."

Virei-me para ir para o quarto, para fazer as malas. Mas ele foi mais rápido. Agarrou-me pelo braço, a sua força brutal.

"Tu não vais a lado nenhum."

O seu rosto estava a centímetros do meu, os seus olhos injectados de uma loucura que eu nunca tinha visto. O medo, pela primeira vez, percorreu-me a espinha.

Ele arrastou-me para o quarto. Atirou-me para a cama.

"Tu és minha, Helena. Sempre foste. E vais dar-me um filho. Um filho nosso."

Ele rasgou o meu vestido. Lutei, gritei, mas ele era mais forte. A sua possessividade transformou-se em violência. Ele tomou-me à força, num ato desesperado e doentio para me prender a ele para sempre.

Cada toque dele era uma violação. Cada palavra de "amor" que ele sussurrava era veneno. O ódio substituiu qualquer resquício de sentimento que eu ainda pudesse ter por ele.

Quando acordei, a luz da manhã entrava pela janela. A minha cabeça doía. O meu corpo estava coberto de nódoas negras. Olhei para o meu tornozelo. Uma corrente de metal prendia-me à cabeceira da cama.

O horror gelou-me o sangue.

Tiago entrou no quarto, a sorrir, como se nada tivesse acontecido. Trazia uma bandeja com o pequeno-almoço.

"Bom dia, meu amor. Dormiste bem?"

Olhei para ele, o desprezo a arder nos meus olhos.

"Come," disse ele, pousando a bandeja na cama. "Precisas de estar forte. Para o nosso bebé."

Não toquei na comida. O silêncio era a minha única arma.

Ele suspirou, irritado. "Não sejas teimosa, Helena."

Ele pegou num pedaço de pão e tentou forçá-lo na minha boca. Virei o rosto. Ele agarrou-me o queixo, a sua paciência a esgotar-se.

"Vais comer."

O telemóvel dele tocou. Era Sofia. Ele atendeu, afastando-se para a sala.

"Agora não, Sofia... Sim, eu sei... Resolve tu... Eu estou ocupado."

Ele desligou e saiu do apartamento, trancando a porta à chave. Fiquei sozinha, acorrentada, desesperada. Mas a determinação começou a crescer dentro de mim. Eu ia escapar.

Horas mais tarde, ouvi a chave na fechadura. Não era Tiago.

Era a Sofia.

Ela entrou no quarto, um sorriso triunfante no rosto. Trazia a chave da corrente.

"Vim libertar-te," disse ela, a voz falsamente doce.

Ela abriu a algema. Senti um vislumbre de esperança. Mas o olhar dela era frio, calculista.

"Mas primeiro, vamos divertir-nos um pouco."

Ela abriu a porta do quarto. Dois homens, com ar de marginais da rua, entraram. O sorriso de Sofia alargou-se.

"O Tiago ama-te demasiado. Acha que és uma santa. Vou mostrar-lhe quem tu realmente és."

Ela pegou no telemóvel. "Sorri para a câmara, querida."

O pânico apoderou-se de mim. Os homens aproximaram-se, os seus olhos lascivos a percorrerem o meu corpo. Um deles agarrou-me. Comecei a gritar, a lutar com a pouca força que me restava.

Eles rasgaram o que restava do meu vestido. A humilhação era insuportável. Sofia ria, a filmar tudo.

"Isto vai fazer com que ele te odeie para sempre."

Quando um dos homens me forçou a cair no chão, a porta do apartamento abriu-se com um estrondo.

Era o Tiago.

Ele parou, a olhar para a cena. O seu rosto passou do choque à fúria assassina.

"O que é que vocês estão a fazer?" gritou ele.

Ele voou para cima dos homens, a socá-los com uma selvajaria que eu não sabia que ele possuía. Sofia gritava, a tentar detê-lo.

"Tiago, pára! Eu fiz isto por nós!"

Ele virou-se para ela, os olhos a arder.

"Por nós? Olha para ela!"

Ele apontou para mim, encolhida no chão, a tremer, a tentar cobrir-me com os farrapos da minha roupa.

O remorso inundou o rosto dele. Ele correu para o meu lado, a tentar cobrir-me com o seu casaco.

"Helena... meu amor... perdoa-me."

Afastei-me dele. "Não me toques."

Sofia, desesperada, agarrou-lhe o braço. "Ela não te merece, Tiago! Eu amo-te! Eu dei-te um filho!"

"Cala a boca!" gritou ele, empurrando-a. "Eu sempre a amei. Só a ela."

Ele virou-se para os marginais, que estavam encolhidos num canto.

"Queriam divertir-se? Divirtam-se com ela."

Ele apontou para Sofia. O terror estampou-se no rosto dela quando os homens se viraram na sua direção. Tiago agarrou-me ao colo e levou-me para fora do apartamento, deixando os gritos dela para trás.

No hospital, enquanto uma enfermeira cuidava dos meus ferimentos, o médico entrou com os resultados dos exames.

"Parabéns, Sr. e Sra. Santos. A senhora está grávida."

Tiago, que estava ao meu lado, olhou para mim, os olhos a brilharem com uma mistura de alegria e culpa.

"Um filho... Helena, vamos ter um filho nosso."

Olhei para ele, o meu rosto uma máscara de gelo.

"Como sabes que é teu?"

A bofetada não poderia ter sido mais dolorosa se eu a tivesse dado fisicamente. A alegria no rosto dele morreu, substituída por uma dor profunda.

Nesse momento, a porta do quarto abriu-se com violência.

Era o Pedro. O seu rosto estava fechado numa expressão de fúria controlada. Ele tinha recebido a chamada do meu pai.

Ele caminhou até Tiago e, sem uma palavra, deu-lhe um soco que o atirou ao chão.

"Monstro," cuspiu Pedro.

Ele veio até mim, o seu olhar cheio de uma dor e preocupação que me partiram o coração.

"O teu pai contou-me tudo. Eu sabia que ele não era bom para ti. Desde o início."

Pedro revelou tudo ali, na frente de um Tiago atordoado. Contou como Tiago não era nada antes de me conhecer, como a minha família o tinha erguido do pó, como cada contrato, cada sucesso, tinha o selo invisível dos Almeida Prado.

"Tu não és nada sem ela," disse Pedro, a sua voz cheia de desprezo. "És um parasita."

Tiago, do chão, implorou. "Helena, por favor. Dá-me uma oportunidade. Pelo nosso filho."

"Não há 'nosso filho'," disse eu, a voz firme. "E não há 'nós'."

Pedro entregou-lhe um envelope. "O divórcio. Assina."

Tiago recusou-se. "Nunca."

"Não precisas," disse Pedro, com um sorriso frio. "O acordo pré-nupcial que o teu sogro te obrigou a assinar já trata de tudo. A separação é válida a partir do momento em que a Helena a pediu. Tu perdeste, Tiago."

Como se a cena não pudesse ficar mais bizarra, Dona Lurdes entrou no quarto, esbaforida.

"Meu filho! O que aconteceu? A Sofia ligou-me, a chorar..."

Ela parou, a olhar para mim, para o Pedro, para o Tiago no chão. E então, o seu olhar fixou-se na barriga de Sofia, que tinha entrado atrás dela, amparada por uma enfermeira.

"Um neto! Tiago, tu deste-me um neto e não me disseste nada?"

Ela ignorou-me completamente, como se eu fosse invisível. Correu para Sofia, a abraçá-la.

"Minha querida! Que bom que deste um herdeiro à nossa família! Não como outras, que em oito anos não serviram para nada."

A humilhação era surreal.

Tiago tentou intervir. "Mãe, a Helena... ela está grávida."

Mas Dona Lurdes não o ouviu. "Anda, meu filho. Vamos levar a mãe do meu neto para casa. Ela precisa de descansar."

Ela arrastou um Tiago relutante para fora do quarto.

Pedro virou-se para Dona Lurdes, que ainda estava a pairar na porta.

"Sabe por que é que a Helena está neste hospital, senhora? O seu filho maravilhoso espancou-a e manteve-a em cativeiro."

O choque no rosto de Dona Lurdes foi a última coisa que vi antes de fechar os olhos, exausta. A decisão já estava tomada. Este bebé, fruto da violência e da mentira, não iria nascer.

            
            

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