A voz do gerente do banco era abafada, como se viesse de debaixo de água.
"Senhora Sofia, o saldo é este. Não há mais nada na conta da empresa."
Ele empurrou um extrato bancário pela mesa de madeira polida.
Eu olhei para o papel. Os meus olhos fixaram-se no número no final da página: 97,54 €. A nossa conta empresarial, onde eu tinha depositado os 300.000 € da herança da minha avó há dois anos, estava praticamente a zeros.
"Houve uma transferência," disse o gerente, desconfortável. "Uma única transferência de 280.000 €, feita há três dias."
O meu sangue gelou.
"Para quem?" a minha voz saiu como um sussurro.
Ele hesitou.
"Para uma conta em nome de Camila Neves."
Camila. A amiga de infância do meu marido, a rapariga que ele e a sua família tratavam como uma santa.
Peguei no meu telemóvel com os dedos a tremer. Liguei ao Leo, o meu marido. O telefone chamou uma, duas, três vezes. Ele não atendeu.
Liguei outra vez. Caixa de correio.
Uma raiva fria começou a subir pela minha espinha. Saí do banco, o sol de Lisboa a parecer demasiado forte, demasiado alegre para o buraco que se abria no meu estômago.
Fui para casa. O nosso apartamento, que tínhamos comprado com o que restava da minha herança, parecia subitamente oco, uma mentira.
Horas mais tarde, Leo chegou. Ele entrou a assobiar, com um saco de uma pastelaria na mão.
"Sofia, trouxe pastéis de nata. Os teus favoritos."
Ele parou quando viu a minha cara.
"O que se passa?"
Eu atirei-lhe o extrato bancário para o peito.
"Explica-me isto, Leo."
Ele apanhou o papel, olhou para ele, e a sua expressão não foi de choque, mas de irritação.
"Então? Tu viste. Tive de o fazer."
A sua calma era mais assustadora do que qualquer grito.
"Tiveste de o fazer? Leo, era o dinheiro da empresa. Era o meu dinheiro!"
"A Camila precisava," disse ele, como se isso explicasse tudo. "O senhorio ia despejá-la. Ela precisava de dar uma entrada para uma casa nova. O que querias que eu fizesse, que a deixasse na rua?"
Eu ri, um som seco e sem humor.
"Ela precisava de uma entrada para uma casa? E para isso usaste o dinheiro que era o nosso futuro? O dinheiro que eu investi?"
"Não sejas dramática, Sofia. É só dinheiro. Nós recuperamos. A Camila é família, ela não tem mais ninguém."
"Eu sou a tua mulher, Leo. E esse dinheiro era a minha única segurança, a herança da minha avó."
"E continuas a ser minha mulher," disse ele, aproximando-se. "Vamos resolver isto. Agora para de fazer uma tempestade num copo de água. A Camila estava desesperada."
Naquele momento, eu soube. Olhei para o homem à minha frente e não o reconheci.
"Quero o divórcio," disse eu.
A palavra ficou a pairar no ar entre nós, fria e final.
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