Passei a noite em claro, sentada no sofá da sala. Cada canto do apartamento gritava memórias dele, de nós. Mas agora, tudo parecia manchado.
De manhã, tomei uma decisão. Peguei numa mala e comecei a arrumar as minhas coisas. Apenas o essencial. As minhas roupas, os meus livros, o computador portátil e a caixa com os documentos da herança da minha avó.
Quando estava a sair, o meu telemóvel tocou. Era o Leo. Ignorei.
Ele ligou outra vez. E outra. Depois começaram as mensagens.
"Sofia, onde estás? Volta para casa. Precisamos de conversar."
"Estás a ser ridícula. Para com este drama."
"Se não voltares, vou buscar-te."
Eu bloqueei o número dele. Senti um alívio imediato, como se tivesse cortado um fio que me estava a sufocar.
Fui para um hotel barato no centro da cidade. Um lugar anónimo onde ninguém me conhecia. Precisava de espaço para pensar, para planear o meu próximo passo.
O primeiro passo era um advogado.
Pesquisei online e encontrei uma advogada especializada em direito da família, Dr.ª Alves. Marquei uma consulta para o dia seguinte.
Senti um pequeno vislumbre de controlo a regressar. Eu não era a vítima frágil que eles pensavam que eu era. Eu tinha sido demasiado complacente, demasiado confiante. Isso ia mudar.
No dia seguinte, no escritório da Dr.ª Alves, contei-lhe tudo. Mostrei-lhe o extrato bancário, os documentos que provavam que os 300.000 € eram de uma herança recebida antes do meu casamento, e portanto, um bem meu, não do casal.
A Dr.ª Alves ouviu atentamente, os seus olhos inteligentes a analisarem cada palavra.
"Isto é mais do que um simples motivo para divórcio, Sofia," disse ela. "Isto é apropriação indevida. Podemos argumentar que ele cometeu um crime."
A palavra "crime" chocou-me. Eu nunca tinha pensado nisso nesses termos.
"O que podemos fazer?" perguntei.
"Primeiro, vamos avançar com o pedido de divórcio. E vamos exigir a devolução integral dos 280.000 €. Com juros. Vamos congelar todos os bens conjuntos para que ele não possa fazer mais nada estúpido."
Ela era direta, eficiente. Exatamente o que eu precisava.
"E a Camila?" perguntei. "Ela tem o dinheiro."
"Ela também será notificada. Se ela gastou o dinheiro, sabendo que era obtido de forma ilícita, ela também pode ter problemas. Não te preocupes, vamos tratar de tudo."
Saí do escritório dela a sentir-me mais leve. A raiva ainda lá estava, mas agora estava canalizada. Tinha um propósito.
Quando cheguei ao hotel, tinha um email. Era da Camila. O assunto era "Por favor, Sofia."
O meu estômago revirou-se. Abri-o.
"Sofia, eu sei que estás zangada. O Leo contou-me tudo. Por favor, não faças isto. Não destruas o teu casamento por minha causa. Eu não sabia que o dinheiro era tão importante para ti. Eu posso devolver, aos poucos. Por favor, perdoa o Leo. Ele ama-te. Ele só estava a tentar ajudar-me."
Cada palavra era uma manipulação cuidadosamente construída. "Não sabia que era tão importante", "devolver aos poucos", "ele ama-te".
Ela estava a tentar fazer-me sentir culpada. A tentar pintar-se como uma vítima inocente apanhada no meio.
Eu não respondi. Em vez disso, reencaminhei o email para a minha advogada com uma simples nota: "Para o processo."
A guerra tinha começado.
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