Os dias seguintes foram um borrão de burocracia e emoções cruas. A Dr.ª Alves moveu-se rapidamente. As notificações legais foram enviadas para o Leo e para a Camila.
A reação foi imediata e furiosa.
O pai do Leo, o senhor Afonso, ligou-me. Ao contrário da sua mulher, ele não gritou. A sua tática era a deceção paternalista.
"Sofia, estou tão desapontado contigo," começou ele, com a sua voz grave. "Pensei que fosses parte da família. O Leo cometeu um erro, sim. Mas as famílias perdoam-se. Estás a arrastar o nome da nossa família pela lama com advogados e tribunais."
"O seu filho roubou-me, senhor Afonso. Ele esvaziou a nossa conta."
"Foi um empréstimo à Camila! Um empréstimo! E tu estás a tratar o teu marido como um criminoso. A rapariga estava desesperada. Ela foi vítima de um esquema imobiliário, perdeu tudo. O Leo salvou-a."
Um esquema imobiliário. Era a primeira vez que eu ouvia essa versão da história. Uma mentira conveniente para justificar o roubo.
"Se foi um empréstimo, então ele pode devolver o dinheiro. É simples," respondi, a minha voz fria como gelo.
"Tu não entendes de lealdade, pois não? A Camila cresceu connosco. O Leo prometeu ao pai dela, no leito da morte, que cuidaria sempre dela. Ele está a cumprir uma promessa. E tu, com a tua ganância, estás a impedi-lo."
A menção da promessa era a cartada final deles. A desculpa sagrada para todos os sacrifícios que eu tinha de fazer.
"Eu também fiz promessas quando me casei, senhor Afonso. E o seu filho quebrou-as todas."
Desliguei antes que ele pudesse responder.
A minha solidão no quarto de hotel era esmagadora. Lembrei-me de todas as vezes que a Camila tinha "precisado" de algo.
Uma vez, foi dinheiro para um curso de fotografia que ela nunca terminou. Outra vez, foi o nosso carro durante uma semana porque o dela estava "na oficina", embora eu o tivesse visto estacionado perto da casa dela. Pequenas coisas, sacrifícios que o Leo me pedia para fazer, sempre com a mesma desculpa: "Coitada da Camila, ela não tem sorte."
E eu, cega de amor, aceitei. Acreditei que estava a ser uma boa parceira, compreensiva. Agora via que não era compreensão, era estupidez. Eles tinham-me treinado para colocar as minhas necessidades em último lugar.
A Dr.ª Alves ligou-me no final da semana.
"Sofia, temos uma resposta do advogado do seu marido. Eles estão a contestar o divórcio e a alegação de que o dinheiro era exclusivamente seu. Dizem que, embora a origem seja a herança, foi investido na empresa do casal e, portanto, tornou-se um bem comum."
"Mas a empresa estava no meu nome!"
"Ele era sócio, Sofia. Com acesso à conta. Vai ser uma batalha. Mas temos um bom caso. E mais uma coisa... A Camila transferiu o dinheiro para outra conta assim que o recebeu. Uma conta que não está em seu nome. Ela está a tentar esconder o dinheiro."
Claro que estava. Ela não era frágil nem inocente. Ela era uma predadora, e a família do Leo eram os seus facilitadores.
"O que fazemos agora?" perguntei, sentindo uma nova onda de determinação.
"Agora," disse a Dr.ª Alves, "nós lutamos com mais força."
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