O cheiro a antisséptico e a fumo queimava-me as narinas. Eu estava sentada num banco de plástico duro, do lado de fora da Unidade de Terapia Intensiva. A luz fria do corredor do hospital tornava tudo pálido.
As minhas mãos tremiam. O meu irmão, Miguel, estava lá dentro, ligado a máquinas que apitavam num ritmo assustador.
Peguei no telemóvel. O ecrã estava estalado. Tinha-o deixado cair quando cheguei ao prédio e vi o que restava do apartamento dele.
Procurei o número do meu marido, Leo.
Ele atendeu ao terceiro toque, a voz impaciente.
"Sofia? Já resolveste as coisas? A Clara finalmente acalmou, dei-lhe um chá e ela adormeceu. Foi um susto dos diabos."
A voz dele era normal, quase aborrecida. Como se estivesse a falar do tempo.
Senti um vazio gelado no estômago.
"Leo," a minha voz saiu como um sussurro rouco. "O Miguel está no hospital."
Silêncio do outro lado. Depois, um suspiro de irritação.
"Hospital? O que é que ele fez desta vez? Eu avisei-te que não devias tê-lo deixado sozinho para ires nessa viagem. Ele não tem cuidado."
A culpa. Ele atirou-a para cima de mim imediatamente.
"Houve um incêndio no apartamento dele, Leo. Eu liguei-te. Eu implorei-te para ires ver o que se passava."
"Eu sei que ligaste," ele disse, defensivo. "Mas a Clara ligou-me a chorar histericamente, a dizer que o gato dela tinha fugido para a estrada. Pensei que o do Miguel era só mais um alarme falso, como daquela vez que ele deixou a panela ao lume."
"Um alarme falso."
Repeti as palavras dele, sem emoção.
"Sim. Fui primeiro a casa da Clara, claro. Ela estava fora de si. Quando cheguei ao prédio do Miguel, os bombeiros já lá estavam por todo o lado. O que é que querias que eu fizesse?"
O gato dela. Ele foi ver do gato dela primeiro.
O meu irmão, que não consegue andar sem ajuda, estava num prédio em chamas, e o meu marido foi consolar a irmã porque o gato dela fugiu.
"Ele tem queimaduras em mais de quarenta por cento do corpo," disse eu, a olhar para a porta da UTI. "Os médicos não sabem se ele vai sobreviver."
"Merda," Leo praguejou. "Isso vai custar uma fortuna. O seguro dele cobre isto?"
Foi a primeira coisa em que ele pensou. Dinheiro.
Não consegui responder. A minha garganta fechou-se.
"Olha, Sofia, eu sei que estás chateada, mas não podes culpar-me. Eu não sou vidente. Como é que eu ia adivinhar que era a sério desta vez?"
Desliguei a chamada.
Olhei para o ecrã do telemóvel por um longo momento. Depois, abri os contactos, encontrei o número de uma advogada de divórcios que uma colega me tinha recomendado há meses, numa conversa casual.
Salvei o número.
Era a única coisa que eu conseguia fazer.