Liberdade Após as Chamas
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Capítulo 2

Passei a noite no hospital, a dormitar naquela cadeira desconfortável. De manhã, uma enfermeira disse-me que o Miguel estava estável, mas ainda em estado crítico.

Senti um alívio minúsculo, uma pequena bolha de ar num oceano de desespero.

Por volta das dez da manhã, Leo apareceu. Ele não veio sozinho.

Trouxe a Clara com ele.

Ela usava óculos de sol enormes, mesmo dentro do hospital. Tinha o rosto inchado de chorar. Pelo gato, presumi.

"Sofia," disse Leo, aproximando-se com cuidado, como se eu fosse um animal selvagem. "Como é que ele está?"

"Estável," respondi, sem olhar para ele. Os meus olhos estavam fixos na Clara.

Ela tirou os óculos de sol. Os seus olhos estavam vermelhos.

"Sofia, eu sinto muito," disse ela, a voz a tremer. "Eu não fazia ideia. Se eu soubesse, nunca teria ligado ao Leo. Eu estava num estado de pânico, o meu Tufas..."

"Encontraste o gato?" interrompi-a. A minha voz era cortante.

Clara encolheu-se. "Sim. Estava debaixo da varanda. O Leo encontrou-o em cinco minutos."

Cinco minutos.

Cinco minutos que poderiam ter salvo o meu irmão de meses de dor, ou da própria morte.

Leo pôs um braço protetor à volta dos ombros da irmã.

"Não sejas assim, Sofia. A culpa não é dela. Ela tem ansiedade, sabes disso. Estas coisas descontrolam-na."

"E o meu irmão tem uma deficiência física," retorqui, levantando-me. "Ele não consegue fugir de um incêndio. Tu sabes disso."

"Foi um acidente," disse Leo, a voz a subir. "Acidentes acontecem! Porque é que estás a tentar transformar isto numa espécie de crime?"

"Porque tu fizeste uma escolha, Leo. Tu escolheste ir procurar um gato em vez de ires ver se o meu irmão estava a arder vivo."

"Isso não é justo!" gritou Clara, as lágrimas a escorrerem-lhe pelo rosto. "Eu estava a precisar dele! Tu não estavas cá! Estavas na tua viagem importante!"

Olhei para o meu marido. Para o homem com quem partilhei uma casa e uma vida durante sete anos.

Não vi remorso no rosto dele. Vi raiva. Vi justificação.

"Ela tem razão, Sofia," disse Leo, mais calmo, mas com uma frieza que me gelou os ossos. "Tu não estavas cá. Eu tive de tomar uma decisão com a informação que tinha. Não me podes crucificar por isso."

"Vou-me divorciar de ti," disse eu.

As palavras saíram diretas, sem hesitação.

O rosto de Leo mudou de raiva para incredulidade. Clara ofegou.

"O quê? Vais-te divorciar de mim por causa disto? Depois de tudo o que passámos? Estás a ser ridícula!"

"Não. Estou a ser realista," respondi. "Isto não foi a primeira vez, Leo. Foi apenas a última."

Virei-lhes as costas e caminhei na direção do balcão de informações, deixando-os sozinhos no meio do corredor.

            
            

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