O fumo era denso e picava os meus olhos. A cada respiração, os meus pulmões ardiam. O alarme de incêndio do prédio soava sem parar, um barulho agudo que se misturava com os meus próprios batimentos cardíacos acelerados.
Eu estava grávida de oito meses, presa no nosso apartamento no sétimo andar.
Tropecei nos móveis, tentando chegar à porta, mas o calor era insuportável. O meu corpo estava pesado, lento. O pânico começou a instalar-se.
Peguei no meu telemóvel com as mãos a tremer e liguei ao meu marido, Miguel.
A chamada demorou uma eternidade a ser atendida. Quando ele finalmente atendeu, a sua voz estava cheia de impaciência.
"Laura? O que foi agora? Estou ocupado."
"Miguel, fogo! O prédio está a arder!" A minha voz saiu rouca, quebrada pela tosse. "Não consigo sair, o fumo está por todo o lado!"
Houve uma pausa. Ao fundo, ouvi a voz da irmã dele, Sofia, a queixar-se. "Miguel, o meu tornozelo está a doer tanto. Podes trazer-me mais gelo? E este hospital público é um nojo."
A voz dele voltou, fria e distante. "Um incêndio? Deves estar a exagerar. Provavelmente é só o alarme de um vizinho. Tenta pôr um pano molhado debaixo da porta."
"Não é um exagero!" gritei, o desespero a tomar conta de mim. "Eu preciso de ti! Por favor, vem para casa!"
"Não posso," ele disse, a sua voz firme. "A Sofia torceu o tornozelo a descer as escadas. Estou com ela nas urgências. Ela precisa de mim. Os bombeiros tratam disso. Liga para o 112 e espera."
"Ela torceu o tornozelo? Miguel, eu estou a carregar o nosso filho! Estamos presos!"
"Para de ser dramática, Laura. A Sofia está com dores. És adulta, resolve isso."
Antes que eu pudesse dizer mais alguma coisa, ele desligou.
Olhei para o telemóvel, incrédula. Ele tinha desligado. O meu marido escolheu a torção de tornozelo da irmã em vez da vida da sua mulher e do seu filho por nascer.
O fumo ficou mais espesso. A minha visão ficou turva. Caí no chão, a segurar a minha barriga, e a última coisa que ouvi antes de desmaiar foi o som de uma porta a ser arrombada.